O psiquiatra Ricardo Amaral, do Programa de Álcool de Drogas do IPq, falou ao G1 sobre fatores que dificultam superar um vício.
Demi Lovato revela dificuldade para ficar sóbria após overdose; entenda por que deixar a dependência química é tão difícil
Trailer de documentário mostra que cantora ainda sofre com o vício, mas passou a consumir apenas álcool e maconha na tentativa de reduzir danos.
Por Bruna de Alencar, G1
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Demi Lovato na série documental ‘Demi Lovato: Dancing with the Devil’ — Foto: Reprodução/YouTube/DemiLovato
Mesmo após sofrer uma overdose, ter danos cerebrais e cegueira parcial em 2018, a cantora americana Demi Lovato revelou que ainda não consegue se manter totalmente afastada das drogas e faz uso de álcool e maconha. O depoimento está no documentário “Demi Lovato: Dancing with the Devil“, série que estreia na próxima terça-feira (23).
A série também revela detalhes da agressão sexual sofrida por Lovato. Ela afirma ter perdido a virgindade em um estupro quando ainda era adolescente.
A dificuldade de Lovato de se livrar das substâncias que tanto lhe causaram mal é algo que aflige milhões de pessoas. De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas de 2020, feito pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mais de 35 milhões de pessoas sofrem de transtornos associados ao uso de drogas. Isso significa que o padrão de consumo de drogas dessas pessoas pode ser classificado como dependência e exigir tratamento especializado.
No documentário, a cantora revela que “acabou com as coisas que vão me matar”, mas que ela ainda bebe álcool e fuma maconha com moderação.

Veja o trailer de novo documentário de Demi Lovato (em inglês)
Dificuldade em superar o vício
A dependência química é uma doença do cérebro e está relacionada com o sistema de recompensa do nosso sistema nervoso. Nosso sistema nervoso é constituído de células nervosas (neurônios) que se comunicam através de sinais elétricos e sinais químicos, chamados de neurotransmissores, que enviam informações ao corpo.
Um dos principais neurotransmissores do corpo humano é a dopamina, responsável pela sensação de prazer. “Sempre que experimentamos algo prazeroso, como comer ou fazer sexo, os neurônios disparam uma sensação de prazer e somos incentivados a repetir a ação. É o que chamamos de sistema de recompensa”, explica o psiquiatra Ricardo Amaral, coordenador do Programa de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo (USP).
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Demi Lovato canta no Grammy 2020 — Foto: KEVIN WINTER / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
O sistema de recompensa pode ser ativado por diferentes situações, como comer, fazer sexo, jogar videogame. “As drogas ativam rapidamente o sistema de recompensa. A diferença entre ativações normais e por drogas altamente viciantes é a intensidade e a velocidade”, explica Fábio Porto, neurologista do Hospital das Clínicas de São Paulo.
A dependência acontece quando o desejo incontrolável se sobrepõe ao prazer. “O estímulo que a substância produz no cérebro dificilmente será obtido com outras experiências e, com o uso contínuo, é possível que a pessoa fique muito vinculada emocionalmente à substância e deixe de fazer outras atividades que não trazem tanto prazer”, explica o psiquiatra Ricardo Amaral.
Tratamento
O desafio para superar o vício passa por intervenções medicamentosas e terapêuticas que variam conforme a substância e histórico do paciente.
A atual situação de Demi Lovato é delicada. Enquanto, por um lado, o consumo do álcool e da maconha podem funcionar como uma estratégia de redução de danos, prática que tem como objetivo principal reduzir os prejuízos à saúde sem que haja, necessariamente, a redução total do consumo de substâncias lícitas e ilícitas. Por outro lado, pode aumentar o risco de recaídas.
Mais consciente sobre a sua atual situação, Lovato afirma que não quer que o seu caso sirva de exemplo. “Também não quero que as pessoas ouçam isso e pensem que podem sair e experimentar beber um cigarro ou fumar um baseado, sabe? Porque não é para todos. A recuperação não é uma solução única para todos”, conta no documentário.
“A gente tenta encontrar alternativas que diminuam os riscos e os danos à vida da pessoa. Existem estratégias de tratamento que envolvem situações onde a pessoa não quer ou não consegue parar. Então, nosso papel como médicos é tentar ajudar a pessoa dentro daquilo que ela consegue e deseja”, defende Amaral.
Segundo o especialista, o tratamento para dependência química é contínuo e pode ser revisto sempre conforme as necessidades e avanços de cada paciente.