A psiquiatra Luciana Siqueira, do Programa Ansiedade do IPq, colaborou com matéria da Revista Super Saudável, sobre agorafobia.
Agorafobia piora qualidade de vida
12 de julho de 2022
O transtorno, que acomete principalmente mulheres, prejudica as relações pessoais e profissionais.
A palavra agorafobia é formada por dois radicais gregos – ágora, nome dado às praças onde se realizavam trocas de mercadorias ou reuniões do povo, e fobos, que significa medo. Inicialmente, a palavra era empregada para indicar o medo que as pessoas sentiam de se verem em lugares abertos. Hoje, o significado é muito mais amplo e pode ser definido pelos comportamentos de esquiva que aparecem quando o indivíduo se encontra em situações ou locais dos quais seria difícil ou embaraçoso escapar. Nos casos mais graves, a agorafobia compromete a vida social e profissional desses indivíduos, que passam a viver apenas dentro de casa.
Estima-se que de 1% a 2% da população mundial sofra com o problema. Embora o número não seja expressivo, é importante dar atenção ao transtorno por diminuir a qualidade de vida e as relações pessoais e profissionais. Isso porque desencadeia um sentimento de medo desproporcional e de insegurança quando as pessoas estão em locais abertos e muito amplos, ou mesmo em lugares fechados, porque têm a sensação de que não poderão ser socorridas se precisarem. Espaços amplos e vazios, como parques e estacionamentos, ou fechados e cheios como cinema, transporte público, filas e supermercados, podem desencadear respostas emocionais de insegurança e medo exacerbado, além de respostas fisiológicas como tremor, mãos frias, palpitação e respiração ofegante.
A psiquiatra Luciana Siqueira, do Programa de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP), afirma que de cada 10 pessoas, pelo menos quatro apresentarão um sintoma de ansiedade ou pânico durante a vida e, nas grandes cidades, a tendência é ainda maior. “Dentro deste grupo, a agorafobia não é a mais frequente, mas demanda uma atenção especial porque leva ao sofrimento por limitações, pois o indivíduo passa a evitar situações do dia a dia porque sabe que vai passar mal, ficando cada vez mais recluso dentro de casa para evitar o desconforto causado pela crise”, explica.
O estudo ‘Prevalência de ansiedade e fatores associados em adultos’, feito com 1.953 indivíduos entre 18 e 35 anos em Pelotas, no Rio Grande do Sul, mostrou que a prevalência de transtornos de ansiedade foi de 27,4% – a agorafobia teve 17,9% de pontuação, enquanto o transtorno de ansiedade generalizada registrou 14,3%. Os dados do estudo demonstram que os transtornos de ansiedade são muito frequentes em adultos e ainda mais prevalentes entre as mulheres, e podem estar associados às condições socioeconômicas e ao uso de substâncias ilícitas. “A agorafobia é observada na fase adulta, mas acomete também os jovens que estão estudando e começando a trabalhar, mas, muitas vezes, não estão preparados para as pressões sociais”, afirma a professora adjunta do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Pelotas (UFPel-RS) na área de Contextos Hospitalares, Camilla Oleiro da Costa Milczarski, uma das autoras do estudo.
Riscos e perdas
Estimativas indicam que, em indivíduos com familiares próximos com diagnóstico de agorafobia, como pai e mãe, a probabilidade de herdar a predisposição é maior. Outro possível fator para o desencadeamento do transtorno é a criança crescer em um ambiente de insegurança, medo e pouco cuidado ou, ao contrário, com uma proteção excessiva por parte do cuidador. A psicóloga Suely Sales Guimarães, professora doutora e pesquisadora colaboradora sênior do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), acentua que a percepção de que tem algum problema ocorre quando o indivíduo apresenta vários episódios recorrentes, pois, inicialmente, é comum acreditar que sentiu apenas um mal-estar sem motivo aparente. “Muitas vezes, o próprio indivíduo pode identificar que há algo errado por perceber que o medo exagerado parte apenas dele e é diferente das demais pessoas. No entanto, a busca por tratamento nem sempre acontece, geralmente por falta de conhecimento sobre esse transtorno”, sinaliza.
Além disso, em geral existe preconceito por parte da população em procurar um psicólogo ou psiquiatra, o que atrapalha o diagnóstico e o tratamento e, consequentemente, a qualidade de vida. “O indivíduo com agorafobia tem a consciência de que passará mal ao sair de casa, começa a evitar frequentar determinados locais e cancela compromissos. Em situações que não podem ser evitadas, acaba enfrentando o medo, mas, com uma ansiedade substancial capaz de criar prejuízos pessoais e profissionais. Muitas pessoas diagnosticadas com agorafobia também podem ter ansiedade generalizada e crise de pânico”, destaca a psicóloga. Devido às limitações, ao sofrimento e à dificuldade de lidar com a situação, esses indivíduos tornam-se mais propensos a desenvolver depressão, dependência de calmantes e de álcool.
Diagnóstico clínico e tratamento podem eliminar as crises
Conhecer as prevalências dos transtornos de ansiedade e fatores associados pode auxiliar os profissionais da saúde a elaborarem melhores diagnósticos e tratamentos para a agorafobia. O diagnóstico é clínico e a agorafobia só se caracteriza quando os pacientes tiveram medo acentuado persistente por mais de seis meses ou ansiedade sobre duas ou mais situações que geraram medo, como o uso de transporte público, estar em espaços abertos e/ou locais fechados, ficar na fila ou no meio de multidão e estar sozinho fora de casa. O medo deve envolver pensamentos em que o escape da situação pode ser difícil ou em que os pacientes não receberiam ajuda caso ficassem incapacitados pelo ataque de pânico.
“Além disso, é preciso identificar se as mesmas situações quase sempre provocam medo ou ansiedade, se o paciente evita uma determinada situação e precisa estar sempre acompanhado, se o medo causa prejuízo significativo no funcionamento social ou ocupacional e se medo e ansiedade não são características de um transtorno mental diferente, como transtorno de ansiedade social e transtorno dismórfico corporal”, acrescenta a professora doutora Camilla Oleiro da Costa Milczarski. Profissionais que possuem conhecimento sobre saúde mental podem encaminhar o paciente para psicólogos e psiquiatras, que são os profissionais preparados para avaliar e prescrever o melhor tratamento – que varia muito com a intensidade e a frequência dos episódios e sintomas.
O principal tratamento é comportamental e expõe o paciente ao medo e à ansiedade de forma gradativa para o enfrentamento do problema, como tentar entrar em um ônibus vazio acompanhado por alguém da família ou do próprio terapeuta. A Medicina também dispõe de programas de computador, inteligência artificial e simuladores que fazem a exposição virtual do paciente a situações indiretas para descobrir o problema e ajudar na superação. “Há casos em que é necessário entrar com tratamento medicamentoso também, mas o uso de benzodiazepínicos deve ser evitado pelo risco de dependência. O tratamento costuma ser muito eficaz quando o indivíduo começa a desenvolver a autoconfiança para, gradualmente, aumentar a complexidade da situação”, orienta a psiquiatra Luciana Siqueira.
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