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Dr. Mario Rodrigues Louzã, do IPq, fala sobre TDAH, em entrevista na Revista Super Saudável.

Os muitos desafios de viver com TDAH

Transtorno do neurodesenvolvimento se manifesta na infância, mas pode acompanhar o indivíduo durante toda a vida 

Impulsividade, desatenção e hiperatividade são sintomas que, isolados ou associados, caracterizam o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), um distúrbio do neurodesenvolvimento que afeta as funções executivas responsáveis pela regulação de comportamentos sociais e habilidades cognitivas. Normalmente associado às crianças na fase de aprendizado com desempenho escolar comprometido, o transtorno pode se estender para a vida adulta – como ocorre em cerca de metade dos casos – ou ser diagnosticado apenas na fase adulta, trazendo prejuízos funcionais significativos na autoestima, na organização e nas relações de trabalho e interpessoais. Estimativas recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que aproximadamente 2,5% da população adulta no mundo é afetada pelo TDAH. No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam que aproximadamente 6% de crianças e adolescentes com idade entre 6 e 17 anos, e 2,5% dos adultos sofrem com o transtorno. Apesar de crônico, ao identificar os sintomas, buscar auxílio médico, fechar diagnóstico e receber o tratamento adequado é possível reduzir os riscos associados e ter uma vida mais organizada e funcional.

Do ponto de vista neurocognitivo, o TDAH é um distúrbio nas funções executivas decorrente de alterações do cérebro e das suas conexões, principalmente na produção e distribuição dos neurotransmissores dopamina, que promove a sensação de bem-estar, e noradrenalina, que está relacionada com humor, concentração, atenção e memória. “Nas pessoas com o transtorno, esses neurotransmissores não desempenham adequadamente sua função no lobo frontal, que fica impossibilitado de enviar comandos para o resto do corpo afetando principalmente a atenção, a concentração e o controle do comportamento”, explica o professor doutor Eugênio Horácio Grevet, docente do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina (FAMED) e coordenador do Ambulatório de Déficit de Atenção em Adultos (ProDAH) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Dados da literatura médica apontam que o fator genético é a causa predominante para o desenvolvimento do transtorno, atribuindo cerca de 70% dos diagnósticos à hereditariedade. Outras causas que podem estar associadas ao seu surgimento envolvem fatores ambientais e sociais, a exemplo do consumo de álcool ou tabaco pela mãe durante a gestação, estresse fetal, partos prematuros e até mesmo lares problemáticos que despertam inquietação, medo e irritabilidade na criança.

Os primeiros sintomas de TDAH aparecem na infância, no início da fase escolar. Para o professor doutor Mario Rodrigues Louzã Neto, médico assistente e coordenador do Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade no Adulto (PRODATH) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPqHC-FMUSP), ao observar comportamentos na criança é possível estabelecer limites entre a desatenção e a inquietude, próprios da idade, para o comportamento com características patológicas. “A partir de 7-8 anos, quando inicia a fase de aprendizado escolar, a criança já tem a capacidade de se autocontrolar, automonitorar seu comportamento e assistir uma aula inteira com atenção. Quando o comportamento foge muito do padrão das demais crianças, ou seja, quando a criança não consegue ter a atenção voltada exclusivamente para o professor, se movimenta demais, atrapalha os amigos, é impaciente, se distrai facilmente, esquece materiais, lições e de estudar para provas, apresentando menor rendimento escolar mesmo que sua capacidade intelectual seja normal, é preciso investigar os motivos que levam a esse comportamento”, descreve. Se não houver um diagnóstico e tratamento adequados, os prejuízos serão cada vez maiores, comprometendo seu desenvolvimento e se estendendo para a vida adulta.

Com apresentações de acordo com os sintomas, o indivíduo com TDAH pode ser predominantemente desatento, caracterizado pela falta de atenção e concentração; predominantemente hiperativo e impulsivo, descrito pelo imediatismo, pela impulsividade (‘agir sem pensar’ nas consequências) por ações e pensamentos acelerados e pela realização de muitas atividades ao mesmo tempo; ou combinado, em que ambos os grupos de sintomas são observados. “Essas apresentações são válidas para crianças e adultos e podem, a depender de cada indivíduo, vir acompanhadas de sintomas secundários como, por exemplo, baixa autoestima, irritabilidade, solidão, frustração, exaustão emocional e angústia”, enumera o psiquiatra Eugênio Horácio Grevet. Na infância, o TDAH predominantemente hiperativo/impulsivo é três vezes mais comum em meninos, enquanto o predominantemente desatento ocorre com igual frequência em ambos os gêneros. Na fase adulta, os índices de diagnóstico entre homens e mulheres, independentemente da manifestação, são similares.

Impactos podem prejudicar os adultos

A existência do TDAH no adulto foi oficialmente reconhecida em 1980 pela Associação Psiquiátrica Americana. Desde então, pesquisadores têm estudado a evolução do transtorno nas diferentes etapas da vida, assim como as características dos sintomas que, além de inconstantes, parecem depender de fatores externos como ambiente, contexto social, educação e inserção no trabalho; e internos, relacionados a outras doenças, personalidades e estratégias para lidar com dificuldades individuais.  “Acredita-se que em torno de 60% das crianças com TDAH (diagnosticadas ou não) ingressarão na vida adulta com alguns dos sintomas, seja de desatenção ou hiperatividade/impulsividade, entretanto, em geral, em menor intensidade que os sintomas observados quando crianças ou adolescentes”, observa o psiquiatra Mario Rodrigues Louzã Neto. Ainda que menos acentuados, os sintomas podem ser muito prejudiciais no adulto, provocando problemas no desenvolvimento social, acadêmico, profissional e interpessoal.

Enquanto na infância e adolescência o prejuízo do indivíduo com TDAH ocorre principalmente no desempenho escolar, na vida adulta se estende para todos os outros setores. “A dificuldade de armazenamento da informação – característica do transtorno – causa uma sobrecarga na memória operacional, ou seja, impossibilita sustentar a informação por um curto espaço de tempo em prol de manipulá-la. Com isso, o adulto que carrega uma série de responsabilidades tem dificuldade, por exemplo, de seguir instruções longas, cumprir prazos, gerenciar tempo, se concentrar, lembrar de datas e compromissos, entre outros, o que provoca alterações do funcionamento executivo”, descreve a neuropsicóloga Camyla Azevedo, coordenadora do Ambulatório de Cognição Social Marcos Mercadante (TEAMM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em algumas manifestações na vida adulta, não é incomum que o indivíduo faça abuso de álcool e de substâncias ilícitas para controlar um nível alto de agitação e impulsividade que, embora sejam próprios do TDAH, não foram diagnosticados. O psiquiatra Mario Rodrigues Louzã Neto acrescenta que, muitas vezes, a própria impulsividade e a característica de personalidade de ‘busca de novidades’ (novelty seeking) leva ao abuso de drogas.

Dessa forma, estar atento aos sintomas é fundamental para diminuir riscos e prejuízos ocasionados pelo distúrbio. Para a neuropsicóloga Camyla Azevedo, a necessidade de o indivíduo buscar ajuda médica e tratamento, principalmente quando não foi diagnosticado na infância, depende do quanto os sintomas causam de prejuízos na sua vida. “As queixas mais frequentes são baixa produtividade no trabalho, mudanças de emprego frequentes, falta de organização, dificuldade de esforço continuado frente a tarefas repetidas, problemas em relacionamentos pessoais, comportamento antissocial, memória de curto prazo prejudicada, resistência a mudança de rotina, dificuldade de tomar decisões imediatas e problemas financeiros. Enfim, uma série de situações que trazem inúmeros prejuízos para a vida”, aponta. Entretanto, é importante ressaltar que ter o transtorno não significa que o indivíduo tenha sua capacidade intelectual comprometida, pois, com o devido acompanhamento e tratamento, qualquer pessoa com TDAH tem a inteligência normal e, muitas vezes, até acima da média e com desempenhos surpreendentes. A especialista acentua que adultos hiperativos, por exemplo, são muito criativos, espontâneos e proativos, destacando-se em áreas de artes, arquitetura e construção, entre outras em que sua inquietude e energia são vistas como qualidades.

Avaliação clínica criteriosa

Os sintomas utilizados para definir o TDAH são descritos no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disease 5ª Edição – DSM-5) da Associação Americana de Psiquiatria, baseados em estudos de campo com crianças e adolescentes – com ajustes específicos para cada faixa etária. “Para o diagnóstico em adultos, utilizamos a Escala ASRS-18 (Adult ADHD Self-Report Scale), um instrumento de rastreio desenvolvido para adaptar os sintomas listados para o contexto da vida adulta. Trata-se de um questionário com 18 perguntas relacionando a frequência de atenção, distração e impulsividade em atividades rotineiras. Para indicar o transtorno, tais sintomas devem estar presentes o tempo todo, em diversos ambientes, e precisam causar algum tipo de prejuízo funcional à pessoa”, orienta o médico psiquiatra Mario Rodrigues Louzã Neto. Importante destacar que este é apenas o ponto de partida para o levantamento de possíveis sintomas primários do TDAH, uma vez que o diagnóstico preciso só pode ser feito por meio de uma longa anamnese, que inclui a história do paciente desde a infância, e com profissional médico especializado, seja psiquiatra, neurologista, pediatra ou neuropediatra.

As intervenções voltadas para o tratamento do TDAH consistem no uso de medicamentos, na terapia cognitivo­ comportamental ou na combinação de ambos. O psiquiatra Eugênio Horácio Grevet explica que o tratamento farmacológico promove uma diminuição da impulsividade, desatenção e dos sintomas de hiperatividade, facilitando melhor interação social e desempenho, seja na escola ou no trabalho. “O tipo de fármaco, as doses e o tempo de uso são determinados pelo profissional médico de acordo com a necessidade individual, podendo incluir psicoestimulantes, a exemplo do metilfenidato – linha de frente para o tratamento; antidepressivos, já que em 30% dos pacientes há uma associação entre o TDAH com outras comorbidades, como depressão e ansiedade; e, em casos mais extremos, pode ser indicado uso de estabilizadores de humor para controle do comportamento”, detalha.

Paralelamente, a terapia cognitivo­ comportamental oferece um conjunto de intervenções relevantes para a regulação emocional, com orientação e técnicas que colaborem na modificação de comportamento, na estruturação do ambiente, no planejamento de atividades e no manejo de sintomas. Trabalhar habilidades sociais e estratégias específicas que reforcem o comportamento adaptativo social também ajuda a administrar os sintomas, tornando o comportamento típico do transtorno menos frequente e, portando, menos estressante.

A neuropsicóloga Camyla Azevedo afirma que adotar atitudes simples no dia a dia pode ser uma saída para melhorar as relações pessoais e, principalmente, o desempenho profissional. “Quando for difícil se concentrar, pare um pouco; conheça-se bem para potencializar pontos fortes e compensar os mais fracos; gerencie o tempo com a ajuda da agenda do celular; liste tarefas; identifique em que momento do dia a capacidade de foco é melhor; use horas livres para relaxar; não traga problemas de casa para o trabalho ou vice-versa; crie um ambiente de trabalho agradável; tenha uma vida mais saudável, com boa alimentação, atividade física e boas noites de sono”, sugere. Ao mudar a visão sobre o transtorno, aprendendo a conviver com os sintomas e identificando maneiras de contorná-los, é possível que o indivíduo tenha uma vida mais saudável, funcional e organizada.

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