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Arthur Danila, do IPq, fala por que amamos acompanhar realitys. Leia a reportagem no Estadão.

Saúde
‘BBB23’: por que amamos acompanhar a vida alheia durante três meses?
Participantes estão sujeitos a julgamentos, piadas, sentimentos negativos como inveja e cobiça, além do cancelamento de todo o país
Por Eduardo F. Filho — São Paulo

18/01/2023 04h30 Atualizado há 5 meses

Curiosidade sobre participantes de ‘BBB’ tem razões evolutivasCuriosidade sobre participantes de ‘BBB’ tem razões evolutivas Arte de Renata Amoedo

Um dos programas mais rentáveis e discutidos da televisão brasileira, o “Big Brother Brasil” estreou nesta semana já dando o que falar. Dos 30 assuntos mais comentados no Brasil nas redes sociais, 29 eram sobre o reality. Em pouco mais de 50 minutos de programa, pipocaram mais de dois milhões de posts só no Twitter. Eram comentários sobre os 22 participantes, que tiveram suas falas, atitudes, roupas e formas físicas dissecadas por desconhecidos.

Pelos próximos três meses, até quem não acompanha o programa saberá quem são os “brothers e sisters” e o que fazem na “casa mais vigiada do Brasil”. Nas últimas edições, vários temas inflamaram discussões — tanto na internet quanto nas mesas de bar —, como racismo, machismo e saúde mental. Mas por que gostamos tanto de acompanhar, julgar e até mesmo cancelar a vida alheia? Haveria algo de profundamente humano na “espiadinha”?

— Nós somos seres sociais, dependemos de um grupo para sobreviver. Por muitos anos essa foi nossa grande vantagem evolutiva. A fofoca é um mecanismo natural e automático do nosso comportamento, com a finalidade de criar laços de confiança. Falamos de outras pessoas e temos interesse por sua vida como uma forma de identificá-las. Saber se aquela é uma aliada que fará parte do meu grupo ou se é uma ameaça e devo afastá-la — explica Livia Ciacci, neurocientista do curso Supera – Ginástica para o Cérebro.

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“Finalmente chegou o dia de cuidar da vida de 22 pessoas e fingir que não preciso cuidar da minha”, escreveu uma seguidora na internet. Outro disse: “Vou assistir ao programa para julgar todos os participantes, serei hipócrita, falarei uma coisa e mudarei a minha opinião cinco minutos depois. Estou aqui unicamente com o objetivo de julgar”.

Comentários assim exemplificam a guerra de torcidas durante o programa. Na edição de 2020, por exemplo, a disputa entre o até então desconhecido Felipe Prior e a cantora e atriz Manu Gavassi bateu o recorde mundial de participação do público em um programa de televisão, com cerca de 1,5 bilhão de votos. O país ficou dividido. Famosos como Bruna Marquezine e Neymar foram às redes sociais para conclamar votantes.

Ciacci explica que nossos neurônios-espelho explicam em parte esse tipo de identificação. Responsáveis pelas habilidades sociais dos primatas, eles se ativam quando observamos a ação de outra pessoa e criam uma atividade neural semelhante em nosso cérebro. Isso acontece, por exemplo, quando contraímos o corpo ao ver uma cena de violência no cinema, quase sentindo aquela dor.

O viés de confirmação é outro mecanismo importante. Trata-se da tendência do cérebro de valorizar mais aquilo que reforça o que já pensamos. A identificação acaba virando torcida, que não arreda pé da sua escolha.

A psicóloga Cristiane Moreira da Silva, especialista em mídias e tecnologias da Sociedade Brasileira de Psicologia, lembra que as últimas seleções do reality dividiram os participantes entre “pipocas” (desconhecidos do público) e “camarotes” (influenciadores digitais e artistas). Isso cria outro tipo de comparação.

— Quanto mais pessoas acompanham a sua vida, mais popular você se torna. Isso gera a sensação de que as pessoas com muitos seguidores têm uma vida interessantíssima e que a sua é um marasmo. Ao mesmo tempo, o influenciador já foi um desconhecido, o que gera também interesse em saber o que ele fez para chegar ali que pode ser compartilhado e copiado — diz.

Há ainda um lado perverso nessa dinâmica, que faz alguém torcer pelo sofrimento do participante. Ou seja, votar para alguém ser eliminado ou punido. Discussões e brigas são motores de interesse e alimentam o cancelamento do lado de fora.

— É muito mais fácil acompanhar o sofrimento do outro do que olhar para o próprio. É diferente da fofoca tradicional. Essa é televisionada, vai para a internet, mobiliza milhares de pessoas para julgar e se unir em torno daquela opinião. Perde-se o controle do quanto a afirmação é certa ou errada. É um efeito dominó cujo intuito é destruir a imagem daquele ser humano — diz Andrea Jotta, psicóloga e pesquisadora em cyberpsicologia da PUC de São Paulo.

Cancelamento
A cultura do cancelamento, segundo os especialistas, pode viciar porque instiga o prazer em destilar ódio direcionado a pessoas que os espectadores consideram mais vulneráveis, inferiores, ou que representam aquilo que não conseguem alcançar.

A prática vira vício quando começa a atrapalhar o cotidiano da pessoa, que perde em bem-estar e eficiência no trabalho na ânsia de acompanhar aquelas vidas.

— Se chegar até o ponto de gerar ansiedade, as pessoas devem perguntar a si mesmas: eu preciso procurar saber sobre essa pessoa? Quanto tempo eu passo nas fofocas? Poderia usar o tempo de outra forma? — questiona Livia Ciacci.

Mas ser espectador da vida alheia pode também ser um entretenimento sem grandes prejuízos, defende a psicóloga Ana Carolina D’Agostini, do Instituto Ame Sua Mente.

— Por vezes, esses programas nos dão uma fuga imediata e divertida dos nossos problemas, assim como filmes e séries que a gente assiste depois do trabalho para relaxar — minimiza.

Para o psiquiatra Arthur H. Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), as pessoas se interessam pela vida alheia também para descobrir as falhas dos outros, pois isso lhes dá a oportunidade de lidar com os próprios problemas.

— As pessoas são naturalmente curiosas e atraídas pelo desconhecido. É emocionante espiar e descobrir o que acontece quando essas pessoas se juntam como grupo. À medida que os participantes se envolvem em diferentes atividades e experiências juntos, um vínculo pode se desenvolver entre eles e aqueles que observam a casa. Seria algo próximo ao que existe entre populações de países monárquicos e a família real — afirma Danila.

Privacidade 2.0
Esses códigos de compartilhamento consentido representam uma nova visão da privacidade, segundo os estudiosos, fruto da lógica das redes sociais.

— Antigamente, jovens tinham os diários com cadeados e segredos. Ninguém precisava saber sobre sua vida pessoal, era tudo sigiloso. Hoje, é necessário que os outros vejam e validem o que está acontecendo. As pessoas gostam de saber porque consomem identidades diferentes da própria. Você não sabe quem é ou como deve viver, então consome a vida de outros como um modo de comparação e identidade — observa Cristiane Moreira da Silva.

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Nos primórdios da internet, jovens se comunicavam por blogs onde compartilhavam segredos e impressões. Eram textos grandes que lembravam os antigos diários. Depois, isso desembocou em fotologs, que eram textos com algumas imagens. Mais tarde vieram os vlogs, plataformas com fragmentos em vídeo da própria intimidade. Agora, os vídeos e fotos alheias nas redes são objetos de cobiça e admiração.

— Se não for igual à foto do influenciador, não vale a pena tirar. Se não houve interação ou burburinho, é como se não tivesse existido. Pedimos desculpas se a imagem vier com um “textão”. Perdemos a prática da escrita pessoal com o aumento de interesse pela vida alheia — sintetiza Moreira.

https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/01/bbb23-por-que-amamos-acompanhar-a-vida-alheia-durante-tres-meses.ghtml