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Mauro Victor de Medeiros, do IPq, fala sobre saúde mental na adolescência. Leia a matéria no Jornal o Estado de S. Paulo.

Saúde mental na adolescência: reconhecendo a diferença entre tristeza e depressão

 

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BLOG

Carolina DelboniComportamento Adolescente e Educação

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7 min de leitura

Muito se fala sobre saúde mental, mas pouco se sabe sobre o termo. O que ele quer dizer? Como distinguir um sentimento de um transtorno? Como reconhecer as dores da adolescência? Entenda quais são os sinais e o que dizem os especialistas

Muito se fala sobre saúde mental, mas pouco se sabe – e pouco se explica – sobre o termo. Mas, principalmente pós-isolamento social, o assunto se tornou vital. Tão vital quanto a preocupação que temos com a saúde física do nosso corpo. Você já parou para pensar que não cuidamos da cabeça – ou do sistema psicoemocional – da mesma forma que cuidamos do corpo?

Pois é, se nem os adultos conseguem, o que dirá crianças e adolescentes, certo? Eu já falei aqui, mas vou repetir a informação: somos o 2º país com maior índice de adultos diagnosticados com burnout (esgotamento mental). E como podem esses mesmos adultos chegarem em casa e conseguirem dar conta de cuidar e educar seus filhos de maneira saudável se eles próprios não estão? Difícil, certo?

Enquanto os índices de transtornos mentais sobem em adultos, a balança acusa o mesmo crescimento quando o assunto são crianças e adolescentes. Na última década, houve um expressivo aumento nos níveis de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio nessa faixa etária.

Não é à toa que o Setembro Amarelo se tornou um período de referência global para promover a prevenção do suicídio e o bem-estar mental. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil apresenta a maior prevalência de depressão na América Latina e a segunda maior nas Américas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Estima-se que cerca de 12 milhões de pessoas no país enfrentam o transtorno.

Nesse contexto, é relevante destacar a conexão entre hábitos saudáveis e o equilíbrio emocional para se ter uma vida mais leve. Quando falamos de saúde mental, a OMS define como um estado de bem-estar em que a pessoa reconhece suas próprias habilidades e consegue lidar de forma harmoniosa com os estresses, as mudanças e os desafios da vida.

Os adolescentes não fogem a essa realidade. Durante essa fase ocorrem múltiplas mudanças físicas, emocionais e sociais que podem deixá-los mais vulneráveis a problemas de saúde mental. Por isso, é essencial buscar estratégias diárias que promovam o bem-estar psicológico e contribuam para o desenvolvimento saudável desse adolescente na vida adulta.

Uma enquete realizada em maio de 2022 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), revelou que metade dos adolescentes sentiu a necessidade de buscar ajuda relacionada à saúde mental. A pesquisa, feita por meio da plataforma U-Report, contou com a participação de mais de 7,7 mil adolescentes e jovens de todo o Brasil, sendo a maioria entre 15 e 19 anos.

O levantamento também indicou que 50% dos participantes não tinham conhecimento dos serviços ou profissionais dedicados a apoiar adolescentes na área de saúde mental. Quando questionados sobre seus sentimentos predominantes, 35% dos adolescentes e jovens que responderam à pesquisa mencionaram “ansiedade”. Além disso, 11% se disseram “preocupados consigo mesmos”, 9% “indiferentes” e 8% “deprimidos”.

Mas como os pais, responsáveis legais e educadores podem discernir que momento o adolescente está enfrentando? É apenas um período de tristeza ou ele realmente está deprimido? A resposta está na observação diária e no diálogo. Para os próprios adolescentes, a chave está no autoconhecimento, uma vez que existe uma linha tênue entre essas duas experiências, que embora sejam distintas, podem causar confusão.

Nicolle, 16 anos, compartilhou que durante a pandemia, se sentiu profundamente abalada e sem esperança em relação ao futuro. A estudante acredita que pode ter passado por um período de tristeza mais profunda. “Eu não tinha ânimo, não conseguia fazer o básico, tinha dificuldade de concentração. Eu percebi isso em mim e em meus colegas mais próximos,” desabafou.

No caso dela, o retorno às aulas gerou um sentimento de estranheza, como se ela nunca tivesse frequentado a escola antes. “Eu senti muita pressão. Eu perdi um ano de aula, então me senti muito cobrada,” disse a adolescente, que encontrou apoio emocional no Pró-Saber, organização social que desenvolve programas inovadores em educação para crianças e adolescentes.

Jéssyca, de 17 anos, também aluna do Pró-Saber, experimentou um declínio em seu bem-estar emocional durante a pandemia e teve dificuldades nos relacionamentos com as pessoas. “Depois de um tempo, comecei a pensar demais e acabei ficando mal por coisas que nem sequer havia percebido em mim. A falta de contato com as pessoas, além da minha família, também me trouxe dificuldades em me relacionar com outras pessoas, especialmente agora, após o retorno às aulas,” relatou.

Ambas adolescentes trazem exemplos vividos durante a pandemia e é claro que o período tem um reflexo importante quando o assunto é saúde mental. Ainda que se perceba um aumento de transtornos na última década, a pandemia da Covid-19 acentuou o problema.

É inegável que a interrupção dos estudos durante o isolamento social afetou a qualidade de vida das pessoas de maneira geral e especialmente os que vivem em comunidades carentes nos países em desenvolvimento. De acordo com o relatório Situação Mundial da Infância 2021, publicado pelo Unicef, uma em cada sete crianças e jovens entre 10 e 19 anos é diagnosticada com algum transtorno mental.

A psicóloga Leila Salomão também concorda que os problemas de saúde mental já existiam antes da pandemia, mas reconhece que os transtornos foram agravados devido ao afastamento dos adolescentes da escola e da rede de apoio que ela oferece. “Muitos enfrentaram medo, falta de aprendizado e tiveram crises de ansiedade, angústia e desânimo durante o período,” destacou.

Quanto à expressão dos sentimentos, Leila sublinhou que esse comportamento varia entre os adolescentes. “Alguns se fecham quando confrontados com críticas ou cobranças, enquanto outros podem buscar ajuda em professores, orientadores e colegas.”

Distinguindo tristeza de depressão na adolescência O psiquiatra e psicoterapeuta Mauro Victor de Medeiros, do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da USP, esclarece que, ao contrário da tristeza, que é temporária, a depressão é um estado emocional que pode perdurar por longos períodos.

“A depressão implica uma mudança na linha de base emocional da pessoa. Ela é acompanhada pela falta de interesse, falta de vontade, motivação reduzida e perda de prazer, também conhecida como anedonia. Além disso, a depressão envolve alterações vegetativas, como distúrbios do sono, apetite (aumento ou diminuição) e alterações na motricidade, ou seja, a pessoa fica mais lenta, além de sintomas psicossomáticos, como dores e desconforto corporal,” explica o Dr. Mauro.

Ele acrescenta que na depressão também ocorrem alterações cognitivas, incluindo perda de foco, dificuldade de concentração, prejuízos na memória e um padrão de pensamento pessimista e desesperançoso. Isso pode levar a pensamentos de morte e, por vezes, até tentativas de suicídio. “Há uma falta de perspectiva de que as coisas podem dar certo, além de um pensamento negativo sobre si mesmo, como a desqualificação em relação aos traços físicos, potencialidades, características de personalidade e quanto à própria valorização,” acrescenta.

Por outro lado, a professora e psicóloga da USP, Leila Salomão, lembra que a puberdade traz muitas mudanças hormonais e comportamentais, mas concorda que um sofrimento acentuado merece atenção. “Começa com a questão biológica, que traz as mudanças no corpo, como os caracteres sexuais secundários. Os meninos mudam a voz, ficam com o nariz maior, têm acne, e as meninas podem ganhar peso. Depois, essas mudanças tendem a se normalizar. No entanto, o problema real surge quando todas essas mudanças vêm acompanhadas de sinais e sintomas preocupantes,” diz.

Outro ponto crucial é que, no caso da depressão, há um prejuízo claro em relação à tristeza e à funcionalidade. “Enquanto na tristeza, a pessoa consegue continuar desempenhando suas atividades escolares, na depressão, ela perde a capacidade de ter um bom desempenho na escola. As notas diminuem, ela se isola socialmente, fica no quarto, não quer sair, deixa de comer e de cuidar de si mesma,” esclarece Dr. Mauro.

Como pais, responsáveis e a escola podem ajudar? Para Leila Salomão, a melhor coisa a ser feita é ouvir, conversar e apoiar os adolescentes. “Observamos uma crescente preocupação por parte dos pais, embora muitos não consigam oferecer o apoio necessário por conta da sobrecarga de trabalho ou por seus problemas pessoais,” enfatizou.

Para o Dr. Mauro, se há suspeita de depressão, os pais devem conversar com o adolescente, estabelecer um canal de comunicação aberto e ampliar a rede de apoio dentro da família, assim como na escola e em outros ambientes frequentados pelo adolescente.

Para ele é comum que os adolescentes com transtornos psiquiátricos abandonem a escola entre outras coisas. Ter uma rede de apoio que inclua familiares, educadores e uma equipe de saúde mental pode ser uma saída eficaz para que esses jovens enfrentem suas dificuldades e mantenham uma relação positiva com a educação.

“Materiais de apoio e reuniões online com os pedagogos da escola podem ajudar nesse processo de transição. O ideal é que, inicialmente, o adolescente retome as aulas sem a pressão das provas e com trabalhos adaptados,” aconselhou.

“Como segundo passo, sugiro encaminhá-lo para um tratamento médico. Isso envolve uma avaliação e um tratamento específico que inclui, principalmente, psicoterapia, atividade física e outras interações sociais para que o adolescente desenvolva suas potencialidades. Se a depressão for moderada a grave, pode-se considerar o uso de medicamentos,” acrescentou.

Além disso, comportamentos como agitação e irritabilidade excessivas podem ser sinais de ansiedade e depressão, conforme observou a psicóloga Leila Salomão. “Muitas vezes, a criança ou adolescente não manifesta sua tristeza da mesma maneira que um adulto. Ela pode demonstrar que tem depressão por meio de irritação e, às vezes, até agressão,” alertou.

Ela recomenda que os pais estejam sempre atentos e procurem compreender, conversar e passar mais tempo com os filhos para entender se o problema se trata de tristeza ou se há indícios de depressão. “É importante que os pais reduzam o tempo gasto nas telas e dediquem mais atenção aos seus filhos. Se encontrarem dificuldades, não hesitem em buscar ajuda como em grupos de apoio. Essas redes de suporte facilitam a comunicação e a compreensão,” sugere a psicóloga.

* colaborou Elaine Rodrigues Vale

https://www.estadao.com.br/emais/carolina-delboni/saude-mental-na-adolescencia-reconhecendo-a-diferenca-entre-tristeza-e-depressao/