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A tese de Luis Farhat, pesquisador do IPq, apresenta uma revisão sistemática da bibliografia sobre a incidência, origem e tratamento do TDAH. Nela, o pesquisador revela avanços no entendimento do transtorno ao longo do desenvolvimento e enfatiza a necessidade de diretrizes atualizadas. Confira a matéria completa no Jornal da USP.

Diretrizes atualizadas são necessárias para tratar TDAH durante o desenvolvimento

Pesquisador analisou seis estudos que mostraram a importância de uma abordagem integrada, utilizando vias medicamentosas e intervenções não farmacológicas

  Publicado: 16/10/2024 às 13:13

Texto: Jean Silva*

Arte: Beatriz Haddad**

Atividades cotidianas como estudar podem ser torturantes para pessoas com TDAH – Foto: Freepik

O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é uma condição neuropsiquiátrica caracterizada por desatenção, impulsividade e hiperatividade, que podem afetar o desenvolvimento de crianças e adultos. Cercadas por estigmas, as pessoas com esse diagnóstico enfrentam desafios na convivência social, desempenho escolar e na busca por tratamento, além de não encontrarem adaptação nos ambientes escolares e de trabalho para atender às suas necessidades.

Desenvolvida na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), a tese de Luis Farhat apresenta uma revisão sistemática da bibliografia sobre a incidência, origem e tratamento do TDAH. Nela, o pesquisador revela avanços no entendimento do transtorno ao longo do desenvolvimento e enfatiza a necessidade de diretrizes atualizadas.

“É importante os profissionais se manterem constantemente atualizados. Lerem pesquisas. Existem recomendações clínicas de entidades adotadas que não são necessariamente baseadas em evidências”, aponta o pesquisador.

“A medicina às vezes é vista de forma muito técnica, como um fluxograma de diagnóstico e tratamento, mas é importante lembrar que é uma ciência em constante mudança”, destaca. Para ele, é preciso que o tratamento considere os sintomas e os prejuízos associados de maneira individual. “É importante entender as demandas específicas de cada pessoa e envolver pacientes e famílias no processo de decisão sobre riscos e benefícios do tratamento de maneira compartilhada”, prossegue.

foto de um jovem branco, com cabelos e barba escuras. Ele usa óculos, camisa social branca e está de perfil esboçando um sorriso.
Luis Farhat – Foto: Lattes

Para chegar a essas conclusões, ele analisou seis estudos que confirmaram a eficácia dos estimulantes no tratamento do transtorno e sugeriu a importância de considerar fatores socioambientais para explicar a associação de TDAH e depressão. O médico chama atenção para uma abordagem integrada, utilizando das vias medicamentosas junto de intervenções não farmacológicas. Ele também realiza a avaliação de um possível gene de risco para doença sem desconsiderar a múltipla fatoriedade de genes, ou seja, a presença de diversos fragmentos de DNA que representem risco para manifestação dos sintomas.

foto de uma menina de vestido rosé com bolinhas brancas à esquera. Ela está sentada em um sofá cinza, com um lápis e escreve em um papel em uma mesa mais baixa. Ao lado dela, está uma mulher com cabeos escuros e uma trança longa jogada para o lado direito. Ela veste um blazer cinza e uma calça preta e usa óculos
Acompanhamento psicológico é fundamental para poder diagnosticar e tratar o transtorno – Foto: Freepik

Quadro epidemiológico

A tese de Farhat contou com a colaboração de pesquisadores que desenvolveram revisões sistemáticas e meta-análises de três grandes revistas da área: EmbasePsycInfo e PubMed. O levantamento indicou uma prevalência do transtorno em cerca de 5,4% da população jovem, um valor próximo ao encontrado em outras revisões sistemáticas. Em comparação, o Estudo de Carga Global de Doenças (GBD), de 2019, foi estimado em apenas 2,68% para o grupo de menores de 18 anos, utilizando a mesma base de dados. O doutor observa que esses estudos internacionais “adotam metodologias estatísticas que podem subvalorizar a prevalência de transtornos em crianças e adolescentes”.

Além disso, muitos países, especialmente os de baixa e média renda, carecem de dados suficientes. Em vez de descartá-los, esses estudos internacionais estimam dados com base na melhor capacidade disponível, mas isso pode levar a números que não refletem a realidade de todos os países. Essa subestimação da prevalência pode impactar negativamente o planejamento de políticas públicas, especialmente em países do sul global como o Brasil.

“Quando a prevalência é subestimada, as necessidades de tratamento não são adequadamente priorizadas”, alerta.

Essa realidade das demandas terapêuticas é constantemente representada no Sistema Único de Saúde (SUS), que não dispõe de ampla disponibilidade para os tratamentos. O próprio diagnóstico pode ser tardio pela falta de acompanhamento psicológico devido à escassez de profissionais na rede pública, o que restringe o acesso às terapias. Ele defende a inclusão dos estimulantes no SUS como fundamental para democratizar o acesso ao tratamento, pois há o risco de crianças não terem acesso ao cuidado adequado, sendo o uso de medicamentos a única opção viável.

Preocupações da linha de tratamento

O uso de medicamentos estimulantes, como o metilfenidato, no tratamento do transtorno em crianças é considerado pelo pesquisador por sua eficácia e segurança, mesmo em faixas etárias mais jovens, conforme apontou sua revisão. Apesar disso, o Ministério da Saúde não recomenda o uso dos estimulantes metilfenidato ou lisdexanfetamina e sim terapia cognitva-comportamental (TCC) junto com os pais ou responsáveis. Embora a terapia seja importante, as evidências científicas mostram que a medicação é uma intervenção eficaz para tratar sintomas.

“Os resultados de nossa meta-análise mostram que, em termos de eficácia, a medicação é boa e pode ser usada”, afirma.

Ele enfatiza que “esses medicamentos devem ser usados com cautela, como todas medicações de maneira geral, e preferencialmente em conjunto com intervenções não farmacológicas, por exemplo treinamento dos responsáveis para lidar com comportamentos disruptivos”. Ainda que reconheça a importância das recomendações atuais, Farhat ressalta a necessidade de uma reavaliação das indicações. Quando elas não recomendam os estimulantes ou os colocam como segunda linha, mesmo com eficácia comprovada, medicamentos menos eficazes acabam sendo colocados como alternativa.

De acordo com o médico, essa resistência ocorre por uma preocupação sobre os efeitos adversos dos medicamentos estimulantes, especialmente em crianças muito pequenas. Apesar disso, “quando colocada como opção secundária, ela abre espaço para o uso de outras medicações, como antipsicóticos, que apresentam mais efeitos colaterais e têm menos evidências que os indicados para o tratamento”, diz.

Apesar da defesa dos medicamentos, ele alerta para a preocupação com o uso de doses de estimulantes acima dos limites máximos licenciadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou da Administração de Alimentos e Medicamentos do Estados Unidos (FDA). “A falta de um limite claro para a dose mínima e máxima faz com que muitas entidades clínicas recomendem doses superiores às aprovadas por esses órgãos”, explica o pesquisador.

Em seu estudo, não foram identificadas relações risco-benefícios favoráveis que sustentem essa prática de maneira indiscriminada, ou seja, “não há comprovação empírica para doses acima das licenciadas”, continua.

Foto de uma criança sentada no chão, encostada em um sofá off white. Ela está com a cabeça abaixada e com as pernas encolhidas.
Crianças e adolescentes com o transtorno têm um risco significativamente maior de desenvolver depressão – Foto: Freepik

Causas e o ambiente

Apesar de não existirem certezas sobre as causas do transtorno, uma interação entre fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais é a principal teoria. Ao realizar um estudo caso-controle envolvendo mais de 3 mil indivíduos com o déficit e 5 mil “controle” (ou seja, sem a condição), o médico e colegas identificaram o gene KDM5B como sendo de alta confiança para o desenvolvimento da neurodivergência. Ainda que esse seja um fator confiável para que haja manifestação dos sintomas, “não se trata de um único gene, mas sim de vários genes de risco associados e interações importantes entre a genética e o ambiente em que a criança se insere”.

Em artigo publicado na Nature Communications, Farhat e pesquisadores de diversas instituições identificaram que existem cerca de mil desses fragmentos de DNA que podem ter papel no desenvolvimento do TDAH. “Provavelmente, a pessoa precisa ter múltiplos fatores de risco para desenvolver a condição”, confirma. Além desses, há também fatores que podem agravar o quadro, como o ambiente.

“Quando não tratados adequadamente, os sintomas podem resultar em problemas emocionais graves, como a depressão.” Ele explica que crianças e adolescentes com o transtorno têm um risco significativamente maior de desenvolver depressão, especialmente quando expostos a fatores socioambientais adversos e dificuldades emocionais, conforme dados analisados em coortes britânicas publicados em outro artigo na American Journal of Psychiatry. No estudo, os pesquisadores realizaram estudos longitudinais que acompanharam o desenvolvimento de crianças e adolescentes e confirmaram essa associação.

“Existe uma associação bem estabelecida na literatura entre pessoas com TDAH e autismo, e o aumento do risco de depressão. Esse risco é aproximadamente duas vezes maior do que na população geral”, destaca.

Uma das teorias para explicar essa associação é que “por exemplo, essas pessoas podem ter menos amigos devido a dificuldades sociais, o que pode levar a conflitos interpessoais, ou a enfrentar mais desafios na escola”, como diz Farhat. À medida que crescem, elas têm potencial de uma percepção mais aguda dessas dificuldades, o que pode afetar sua autoestima e contribuir para o desenvolvimento de episódios depressivos. Para ele, esse processo reforça a necessidade da disponibilidade de psicólogos e dos tratamentos medicamentosos na rede pública.

Mais informações: e-mail luiscfarhat@gmail.com, com Luis Farhat.

 

*Estagiário sob supervisão de Fabiana Mariz e Tabita Said

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


 

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A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.

https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/diretrizes-atualizadas-sao-necessarias-para-tratar-tdah-durante-o-desenvolvimento/