Alexandre Azevedo, do IPq, fala sobre comer transtornado, em matéria da Revista Marie Claire. Confira!
Comer transtornado: o que é esse comportamento que pode estar associado a um transtorno alimentar
Mesmo sem ser classificado como um distúrbio, esse comportamento disfarçado de cuidado com a saúde e normalizado socialmente não deve ser negligenciado
Por
Marcella Centofanti, em colaboração para Marie Claire — de São Paulo (SP)
Sua amiga conta que cortou os carboidratos da dieta. A colega de trabalho pula o almoço para compensar a pizza consumida da noite anterior. Sua irmã compartilha que sente culpa por ter enchido uma mão de brigadeiros na festa do sobrinho.
Exemplos assim foram normalizados e estão disfarçados de cuidados com a saúde. No entanto, pode se tratar do que especialistas chamam de “comer transtornado”.
A expressão utilizada por publicações científicas descreve uma série de comportamentos alimentares inadequados e não saudáveis, que podem ou não estar associados a um transtorno alimentar.
Boa parte das revistas utilizam a nomenclatura “comer transtornado” quando não é possível preencher critérios mínimos que justifiquem o diagnóstico de um dos transtornos alimentares formalizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Associação Americana de Psiquiatria.
Sintomas de comer transtornado
Mesmo sem ser classificado formalmente como um distúrbio, o comportamento não deve ser negligenciado. “Ele pode estar associado a relevante sofrimento psíquico e prejuízos à saúde física. Por isso, merece atenção especializada e tratamento”, afirma Alexandre Pinto de Azevedo, psiquiatra assistente do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Os sintomas do comer transtornado podem ser encontrados nos demais transtornos alimentares, sem preencher critérios diagnósticos necessários de nenhum deles, em particular anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar.
O médico enumera alguns sintomas:
– Dietas frequentes sem orientação adequada, normalmente restritivas ou acompanhadas de jejuns prolongados, muitas vezes disfarçadas de busca pela saúde ou deliberadamente para perda de peso;
– Sentimentos de ansiedade e angústia associadas a alimentos específicos ou à ausência da oportunidade de seguir uma dieta previamente planejada;
– Flutuações crônicas do peso;
– Rotinas rígidas em torno das refeições e exercícios;
– Sentimento de culpa e vergonha associados ao ato de comer;
– Preocupações com peso e imagem corporal que impactam negativamente a qualidade de vida;
– Sensação de perda de controle em relação à comida caracterizada por impulsividade ou voracidade;
– Presença de comportamentos compensatórios inadequados como prática de atividade física exagerada, restrição alimentar, jejum ou purgação para escolhas alimentares ruins consumidos.
Vale ressaltar que distúrbios da imagem corporal podem também estar presentes em diferentes graus, como uma depreciação ou distorção da autoimagem.
Fatores de risco para a condição
Entre os fatores de risco do comer transtornado estão ser criança e adolescente, ser mulher (somos um pouco mais vulneráveis que homens), pertencer a grupos de minorias raciais e de gênero e ter um transtorno mental.
Ser vegano não é um fator de risco para esse comportamento, como demonstrou um estudo feito pela USP e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A ocorrência do comer transtornado foi dez vezes menor entre os adeptos do veganismo, em comparação com seguidores de outros tipos de dieta. Os resultados foram publicados no periódico Journal of American Association of Medicine Network Open (Jama Network Open).
Por outro lado, a literatura científica já demonstrou os efeitos da mídia de massa na imagem corporal e nos comportamentos alimentares inadequados.
O desafio do tratamento
De acordo com o psiquiatra, o grande problema do comer transtornado é que as pessoas minimizam ou não reconhecem completamente o impacto desse comportamento sobre sua saúde mental e física.
As consequências do quadro incluem um risco maior de evolução para um transtorno alimentar completo, obesidade, perda óssea, distúrbios gastrointestinais, comprometimentos da função cardíaca, isolamento social e aumento da ansiedade e da depressão.
A intervenção precoce pode diminuir o risco de consequências adversas físicas e mentais. Segundo Azevedo, o tratamento deve ser baseado no estado de saúde (por exemplo, recusa deliberada para alguns alimentos, compulsão alimentar severa ou comportamentos purgativos), comorbidades e padrões de peso.
As opções, de acordo com o psiquiatra, seguem padrões para os transtornos alimentares. Elas incluem terapia nutricional e psicoterapia comportamental-cognitivo especializada, remédios e terapia familiar no caso dos pacientes mais jovens.