A pesquisa foi realizada no Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP).
O transtorno de escoriação (TE) é caracterizado pela escoriação recorrente da pele, ocasionando lesões clinicamente verificáveis nesta, apesar de tentativas repetidas de cessar o comportamento. Atualmente no DSM-5, o TE está classificado na seção do transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e correlatos. Os critérios atuais são (APA, 2013, p. 254):
- Beliscar a pele de forma recorrente, resultando em lesões;
- Tentativas repetidas de reduzir ou parar o comportamento de beliscar a pele;
- O ato de beliscar a pele causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo;
- O ato de beliscar a pele não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex. cocaína) ou a outra condição médica (p.ex., escabiose); e
- O ato de beliscar a pele não é melhor explicado pelos sintomas de outro transtorno mental (p. ex., delírios ou alucinações táteis em um transtorno psicótico, tentativas de melhorar um defeito ou falha percebida na aparência do transtorno dismórfico corporal, estereotipias no transtorno de movimento estereotipado ou intenção de causar dano a si mesmo na autolesão não suicida).
O pesquisador Daniel Carr Ribeiro Gulassa esclarece que a pesquisa intitulada “estudo randomizado controlado do uso de técnicas psicodramáticas para tratamento ambulatorial de pacientes com transtorno de escoriação”, sob a orientação do Prof. Dr. Hermano Tavares, teve como principal objetivo avaliar a eficácia do tratamento psicoterapêutico psicodramático em grupo de indivíduos com TE, atendidos no citado ambulatório desde 2013.
A idade média para início do comportamento de escoriação é 12 anos (Odlaug; Grant, 2008b), nas há relatos de sua iniciação que vão dos 3 até os 60 anos. A epidemiologia do quadro revela que 3,4% da população brasileira pontua para TE, sendo a maioria mulheres (82%), solteiras (60%) e caucasianas (51%) (Machado et al., 2018). O quadro de TE também é associado a um alto índice de comorbidade psiquiátrica (Arnold et al., 1998) e indivíduos com TE sofrem maior incidência de transtornos afetivos, ansiosos, alimentares, impulsivos e de uso de substâncias (Odlaug et al., 2013) e ideação suicida (Machado et al., 2018).
Realizou-se entre 2015 e 2018 dois grupos pilotos e oito grupos oficiais psicoterapêuticos para indivíduos com TE (N=72), sendo a metade destes realizados com o psicodrama em grupo (condição experimental) e a outra metade com psicoterapia de apoio em grupo (condição controle).
Como resultado, ambos os tratamentos avaliados demonstraram melhora dos indivíduos com TE nos quesitos sintoma de escoriação, impacto de escoriação, regulação emocional, ansiedade e melhora clínica global.
Tratou-se de um estudo relevante e inovador no sentido de contribuir para a avaliação de novos tratamentos psicoterapêuticos para TE. Por exemplo, testou-se uma modalidade psicoterapêutica não comportamental, no caso o psicodrama, que enfoca mais as questões emocionais e interacionais do indivíduo.
A modalidade de tratamento grupal também não havia sido testada antes, e mostrou ser uma opção para o tratamento de TE, com a possibilidade de oferta de tratamento a um grupo maior de pacientes simultaneamente, além de outros benefícios já descritos para intervenções de grupo, como a troca de experiências entre os participantes, o sentimento de pertencimento e diminuição da solidão existencial. Isto é particularmente relevante nos indivíduos com TE, por ser um quadro praticamente desconhecido, mesmo por eles próprios, cuja grande maioria mal sabia se tratar de um transtorno antes de conhecer o tratamento oferecido, e lidava com a situação comumente de forma escondida e solitária.
Daniel Carr Ribeiro Gulassa e-mail : danielgulassa@hotmail.com
Psicólogo responsável pela equipe de tratamento dos pacientes com transtorno de escoriação no PROAMITI, Ipq HCFMUSP.
Primeira publicação disponível sobre o assunto:https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31046029