Prof. Wagner Gattaz, presidente do Conselho Diretor do IPq, em matéria educativa sobre saúde mental em tempos de Covid-19 no Jornal O Globo.
‘Não faça do coronavírus o tema mais importante do seu dia’, aconselha psiquiatra
RIO – Manter a sanidade mental em meio a uma pandemia e quarentena é um desafio para a população, mas exige atenção redobrada para quem já tem transtornos psiquiátricos. É o que orienta o professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria da USP, Wagner Gattaz.
O psiquiatra diz que a situação desperta medo, tanto o natural quanto o patológico, e explica como diferenciar um do outro.
O isolamento dos que podem ficar em casa é uma preocupação para o bem-estar dos pacientes mentais?
Claro. Não só o isolamento, mas o motivo dessa crise leva ao medo e à insegurança, diante da sensação de uma ameaça que está no ar. A Covid-19 pode desencadear o medo racional, normal frente ao desconhecido, porque estamos confrontados com dois riscos: um deles é o do agora, a infecção em si, o outro é o do futuro, de gente que não sabe como vai ser a vida em dois, três meses, por medo do desemprego. É um teste duplo para a sociedade, sobre como vamos reagir frente a essas duas ameaças.
É uma situação que gera medo naturalmente.
Sim, mas também existe o medo patológico, das pessoas que já têm uma vulnerabilidade maior para situações extremas, com transtornos de ansiedade e quadros depressivos.
Como funciona essa vulnerabilidade?
É como uma pessoa que tem um defeito no coração, mas nunca teve problema cardíaco. Então ela não sabe até fazer exercícios, correr no parque e começar a ter dores ou até um infarto. Ou seja, ela tem uma predisposição que precisou de um fator externo para ser desencadeado. Cerca de 15% da população tem predisposição para desenvolver um episódio depressivo, mas, devido a condições favoráveis, pode nunca ter acontecido.
Tem dois grupos, os que já tiveram crises no passado e sabem que têm vulnerabilidade, e o de pessoas nas quais a doença nunca se manifestou. Aí não tem como saber, ou como prevenir. Gente que nunca teve nada passa a ter crises. Mas precisa de dois componentes: um é uma predisposição individual, que pode ser genética. O outro é um fator externo de forte carga emocional que vai desencadear, mas não causar, quadros patológicos em pessoas que já tenham predisposição.
O medo normal leva as pessoas à ação. A capacidade de sentir medo é talvez o mais importante fator de preservação da raça humana. Quando temos medo, fugimos ou agimos para nos proteger contra a ameaça. O medo normal não nos rouba a ação, pelo contrário. Agora, por exemplo, ele nos faz ficar em casa, nos leva a conseguir o equilíbrio mesmo em situação de confinamento, o que para os brasileiros é difícil porque temos uma cultura de contato.
Já o medo patológico é paralisante A reação é fisiológica: o coração dispara, há calafrios, dificuldade para respirar, sudoreses, tonturas e medo de desmaiar, de morrer, de perder o controle, de ficar louco. Mas vem sem uma ameaça, você está no sofá vendo um filme e de repente começa a sentir tudo isso. Pode durar alguns minutos. Isso é um transtorno de ansiedade, a chamada crise de pânico. Nem sempre a fronteira entre os sentimentos é muito clara, há transições que variam de pessoa para pessoa.
É claro que quem já teve depressão ou transtorno de ansiedade, pode tomar medidas protetoras. Uma delas é a manutenção do tratamento que já fazia, como terapia e remédio, o ideal é a combinação dos dois. Mesmo na fase de confinamento, hoje temos a telepsiquitaria, a telemedicina, e a aplicação desses métodos é um dos benefícios que essa crise está trazendo.
A que sinais as pessoas devem ficar atentas?
As crises de ansiedade têm início abrupto. Como se viessem do nada. Embora muitas vezes as pessoas digam “eu sempre fui ansiosa”, “sempre fui impaciente”, “sempre tive medos” depois que a fobia ou pânico aparecem. Aí você descobre que o comportamento ansioso já era uma constante. Já o quadro depressivo é gradativo, a pessoa começa a se sentir desanimada, cansada, falta energia física e mental, tem dificuldades de concentração. Há angústia, sensação de aperto, a pessoa fica mais irritável, emotiva, com episódios de choro, insônia, geralmente ela adormece, depois acorda no meio da noite e não consegue dormir de novo. Agora esses sintomas podem aparecer pontualmente em qualquer um, por isso um diagnóstico não deve se basear num episódio isolado, uma ou duas crises de choro. É o quadro geral que faz o diagnóstico.
Quando faz o home office, é muito importante manter rotina diária, mantendo o máximo possível a rotina do trabalho. Manter a disciplina nem sempre é fácil, às vezes tem criança em casa, mas é bom estabelecer metas e tarefas do dia. É fundamental resistir também e não trabalhar mais que o costumeiro. Deve haver tempo para relaxamento, repouso. A pessoa deve procurar atividades como ver um filme,ler um livro. Atividade física é importantíssimo, em casa ou dando uma volta – ainda é possível desde que mantendo a distância das pessoas. E, acima de tudo, manter contato com as pessoas, ligar, falar com amigos, perguntar como estão, como passam pela crise, acentuar mais o contato cibernético. Outra questão importante é resistir à tentação de ficar o dia inteiro vendo noticiário, de manhã até a noite. Leia um jornal, veja um ou dois noticiários. Não faça da Covid-19 o tema mais importante do dia. Isso ajuda a se manter bem.
Além das pessoas com depressão e ansiedade, que outros pacientes preocupam?
Quem tem o TOC de lavar as mãos por medo de infecção, que é o motivo mais frequente, aí é claro que fica pior porque agora temos uma ameaça real. Ela vai estar confrontada com a ameaça que já via. As pessoas que têm preocupação com doença, sem dúvida nenhuma o que está sendo ameaçado agora é a saúde, então sem dúvida vai sofrer mais, porque agora está confrontada 24h por dia… Mais uma vez é importante manter o aconselhamento psicológico nessa fase, e a teleconferência é o método ideal. Hoje há aplicativos na internet, técnicas de relaxamento, o mindfullness, isso ajuda muito a manter o equilíbrio psicológico. Há um número enorme de estudos que mostram que isso regula a atividade cerebral, dados científicos comprovam. E é um mecanismo protetor que a pessoa pode aprender sozinho.
Há estimativas do impacto da pandemia e do isolamento sobre a saúde mental?
É impossível fazer uma previsão, é tudo desconhecido ainda, sabemos muito pouco. Mas sabemos que os transtornos mentais já são frequentes: em um período de 12 meses, 11% vão ter um episódio depressivo, 20% terão transtorno de ansiedade, e 4% vão desenvolver dependência de álcool e substâncias, que é outro risco importante. A pessoa tem que resistir muito à tentação. O álcool é um poderoso ansiolítico, mas tem efeitos devastadores. É hora de evitar tudo que é tóxico.