Saúde Mental Urbana
(Re) thinking urban mental health from the periphery of São Paulo in times of the COVID-19 pandemic
Estudos de saúde mental urbana tradicionalmente buscam relações causais entre elementos da cidade e a prevalência de transtornos mentais. O artigo https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09540261.2022.2027349 discute a importância de (re)pensar a ‘experiência urbana vivida’ a partir da perspectiva dos moradores da cidade sobre como o ambiente imediato afeta sua saúde mental e como as pessoas lidam com as desigualdades.
O estudo “Saúde mental na adversidade: um estudo etnográfico da experiência de saúde mental precária nas favelas de São Paulo”, sob a coordenação da Profa. Dra. Laura Helena Andrade relata a descoberta de uma colaboração contínua entre a Seção de Epidemiologia Psiquiátrica do Instituto de Psiquiatria – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IoP-FMUSP) e o Centro de Sociedade e Saúde Mental – King’s College London. Apresenta os resultados da pesquisa-ação-participação realizada em parceria com um Centro de Direitos Humanos (CDH), uma ONG sediada em um bairro de baixa renda da periferia da cidade de São Paulo, durante o período da pandemia de COVID-19.
Os objetivos deste estudo são: (1) ao mesmo tempo em que fomentamos a solidariedade para promover o apoio social e emocional entre os membros da comunidade durante a Pandemia do COVID-19, buscamos explorar como viver em um contexto urbano adverso impacta as experiências vividas pelos moradores locais; (2) investigar a perspectiva de moradores locais sobre como as experiências de sofrimento e angústia são enquadradas e concebidas; (3) explorar as particularidades do contexto urbano na conformação das experiências vividas nas cidades.
O distrito em que esta pesquisa foi implementada tem uma população de 284.524 habitantes (InfoCidade, 2021), a maioria autodeclarada preta ou parda, e um quinto dessa população vive abaixo da linha da pobreza, número equivalente a quase 60.000 pessoas . A maioria dos moradores do bairro mora em pequenas casas de favelas, muitas vezes com várias pessoas dividindo os mesmos cômodos da casa, e 21,58% dos domicílios não têm água encanada e esgoto. A porcentagem de trabalhadores informais ou com empregos incertos na região também é alta.
A equipe do IoP-FMUSP desenvolveu um material de treinamento composto por uma cartilha com sugestões de temas para orientar os ‘voluntários’ na realização dos chamados de apoio à comunidade.
Foram identificadas duas dimensões importantes para discutir a natureza do sofrimento e da angústia em um contexto periférico de São Paulo durante a pandemia de COVID-19. Uma dimensão refere-se à experiência urbana vivida caracterizada por diversas inseguranças: financeira, habitacional, alimentar e dinâmicas locais de convívio nos bairros, situações que impactam diretamente no estado emocional e no sofrimento vivenciado pelos moradores do território. A segunda dimensão está relacionada ao contexto de vulnerabilidade e incerteza, marcado pela falta de proteção social por parte do Estado. Para preencher essa lacuna, organizações da sociedade civil e diferentes formas de agenciamento local surgem para enfrentar os problemas da exclusão urbana e do sofrimento vivenciado pela população local.
Este artigo não pretende elaborar uma abordagem epistemológica da ‘cidade’ como um conceito fixo ou estático em relação à saúde mental de seus habitantes. Ao contrário, propomos uma análise situada que olha as experiências de vida na periferia da cidade de São Paulo, como um fenômeno contingente, relacional, dinâmico e contraditório.
Conclusão
Condições sociais adversas em situações de insegurança econômica, social e civil configuram experiências específicas na cidade que afetam a vida psíquica de seus habitantes. Nossos achados apontam para um rico repertório de estratégias para lidar com as experiências de como as pessoas cuidam, resistem e desafiam estruturas que prejudicam os moradores da comunidade. Os moradores do bairro recorrem frequentemente às associações locais, seja no bairro, igrejas e coletivos políticos. No entanto, estudos de Saúde Mental Urbana frequentemente subestimam o potencial dessas estratégias para lidar com problemas estruturais prejudiciais.
Este trabalho foi apoiado por um fundo conjunto de pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAP ESP Grant number: 19/ 17397-7) e do King’s College London, no âmbito do projeto “Saúde mental na adversidade: um estudo etnográfico da experiência de saúde mental precária nas favelas de São Paulo).
Notas
1 https://baltimoreneighborsnetwork.org
2 No Brasil uma cesta básica é um conjunto de necessidades básicas para uma família sobreviver por um mês. A composição da cesta básica é definida pelo governo e seu custo é utilizado como principal componente para o cálculo da renda mínima nacional.