Sabíamos, ou imaginávamos, que o isolamento social prolongado deixaria marcas em todos nós. Quais, não tínhamos ideia. Cientistas, neurologistas e psiquiatras se encarregaram de olhar com afinco para as sequelas que a pandemia provocou no sistema emocional do ser humano. Institutos e Fundações estiveram à frente de estudos e levantaram dados que foram importantíssimos para dimensionarmos o que, até então, era percepção.

Passados 27 meses, temos números e pesquisas suficientes que provam e evidenciam o quanto a educação brasileira e a saúde mental de crianças e adolescentes vivem à beira do abismo neste país. A frase não é força de expressão, é fato.

Um mapeamento feito pela Secretária da Educação do Estado e Instituto Ayrton Senna, revelou que 70% dos estudantes avaliados em contexto de pandemia relataram sintomas de depressão e ansiedade. Do grupo, um a cada três, afirmou ter dificuldades para conseguir se concentrar na proposta da sala de aula, outros 18,8% relataram se sentir totalmente esgotados e sob pressão, enquanto 18,1% disseram perder o sono por conta das preocupações e 13,6% afirmaram a perda da confiança em si.

Estudos realizados pelo Conselho Nacional da Juventude, em maio de 2021, mostraram que 54% dos adolescentes passaram a sentir ansiedade, 56% utilizaram as redes sociais de forma exagerada e 48% reclamaram de exaustão e cansaço constante.

Os números são expressivos e o dia a dia dentro das escolas, infelizmente, é a melhor amostra para justificá-los. Ao longo deste primeiro semestre letivo, professores e orientadores educacionais de escolas privadas e públicas se depararam com mudanças comportamentais expressivas entre alunos e a necessidade da busca por recursos e cuidados tornou-se primordial.

Professores acreditam que os diferentes comportamentos apresentados pelos alunos têm explicação e são absolutamente compreensivos dado o contexto pandemia. Crianças e adolescentes passaram uma fase importante da construção das suas relações sociais, e da própria identidade, onde todo universo possível se reduziu a uma tela e as quatro paredes de casa. Impossível tal recolhimento, chamado por especialistas de atrofia social, não os colocar diante das próprias vulnerabilidades.

Edneia Letícia Marguti, professora de educação infantil na EMEI Guilherme Rudge, conta que junto do comportamento eufórico de crianças entre 4 e 6 anos ao retornar ao ambiente escolar e reencontrar colegas, percebeu que algumas trouxeram traumas consigo. “Há aquelas que chegaram aqui e só conseguiam falar: ‘água’. Só isso, sabe? Percebemos que elas chegaram não sabendo nada ou quase nada sobre o lugar escola”, diz a educadora.

“Identificamos também uma maior dificuldade de concentração. Eles estão muito inquietos e não prestam atenção no que a gente fala. Sentimos que algumas crianças estão mais egoístas e sentem dificuldade de compartilhar os brinquedos com os amigos,” analisa Ednéia.

Fernando Pimentel, coordenador do 7º, 8º e 9º ano do colégio Oswald de Andrade, concorda com o ponto de vista. Para ele, o desejo pessoal se tornou um imperativo mais urgente, o que dificulta a construção de um ambiente propício às aprendizagens escolares. “Além disso, os alunos do Ensino Fundamental 2 estão numa fase da vida em que o contato com os pares é imprescindível. Parecem estar com uma demanda represada para este contato, o que deixa as conversas paralelas mais frequentes em sala de aula”, avalia.

Para ele, essa geração também foi privada do acesso aos contextos culturais que são combustíveis em sala de aula e que, apesar de ter pleno acesso à informação, não sabe o que fazer diante de tantas informações. “O que vemos neste sentido é uma certa passividade, como se esperassem que alguém resolva os impasses típicos da aprendizagem, antes mesmo de dedicarem esforços à resolução dos mesmos”, conta.

Crianças e adolescentes voltaram sim mais passivos ao ambiente escolar. Em sua grande maioria, aguardam pelos comandos, não sabem muito como agir quando eles não são dados pelos professores e perderam parte importante do repertório cultural e social que era material de trabalho em sala de aula.

Antes da pandemia, os alunos chegavam em sala de aula já com hipóteses e conhecimento prévio sobre determinados assuntos. Isso porque existia troca e diálogo dentro de casa, muitas vezes era algo que o irmão mais velho já tinha aprendido e comentava, além da existência da vida social. Idas a parques, exposições, clube, cinemas e shoppings eram programas que contribuíam para tal.

Voltar a conviver neste espaço coletivo que é a escola tem sido bastante desafiador. Mariana Doneaux, orientadora educacional do 6o e 7o ano, do Colégio Equipe, diz que ainda estão em processo de retomada das relações de confiança. “Ninguém saiu ileso da pandemia, muita coisa mudou. Esses jovens passaram dois anos com suas referências estacionadas. A gente percebe que muitas crianças sofrem com a falta de interação e de aprendizado com o outro. Uma criança uma vez me falou que sentia falta de olhar para o colega do lado e ver a reação da cara dele com dúvida de alguma matéria, só pra sentir que era a mesma dúvida dela”, exemplifica.

Algo que parece muito simples, mas que é fundamental para a constituição seja da criança, seja do adolescente. Se reconhecer entre pares e poder validar os sentimentos são razões pelas quais as relações sociais são basais em ambas as fases, ainda que cada uma tenha suas particularidades.

Agora é preciso reaprender a socializar e se apresentar diante dos colegas. Daniel Helene, coordenador dos Anos Finais do Fundamental, na Escola Vera Cruz, conta que junto com a alegria da volta, veio também a sensação de falta de privacidade, já que durante as aulas tinha quem pudesse fechar as câmeras, quando não quisesse ser visto, o que na visão dele, é uma atitude comum do adolescente. “Quando você está no presencial, não tem como fechar a câmera, né? Você não controla mais o olhar que o outro pode depositar sobre você. Ou pelo menos não há mais a ilusão de que você controla isso. E dessa maneira pode ficar insuportável para eles”, argumenta.

O coordenador conta que antes da pandemia, os conflitos existiam, mas hoje são mais frequentes. “A enfermaria da escola vive cheia. São problemas de convivência, pequenos conflitos entre eles e às vezes brigas mais sérias. Na verdade, não é só difícil para os alunos, mas acho que para todos da escola e toda a sociedade, que faz com que o nosso conviver também não seja exatamente fácil”, avalia Daniel.

Com o suporte de materiais de circo e teatro, a professora Cida propõe atividades lúdicas e coletivas aos alunos na tentativa de trabalhar as emoções e os conflitos que têm aparecido na escola

Maria Aparecida Aguiar Correia da Rocha, diretora da EE Professora Maud Sá de Miranda Monteiro, diz a escola entende que esse processo de acolhimento acontece de modo individual e que não existem regras e por isso contam com a ajuda do Psicologia Viva, programa oferecido pelo Governo do Estado que contribui com profissionais que fazem palestras, trabalhos de escuta com pequenos grupos, justamente para tentar amenizar as questões. E também com a professora Cida que é terapeuta ocupacional e procura trazer atividades diferentes aos alunos.