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Guilherme Polanczyk, do IPq,  fala sobre autolesão. Leia a entrevista no Jornal O Estadão

Autolesão na adolescência: um pedido de socorro e um alerta à saúde mental

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BLOG Carolina DelboniComportamento Adolescente e Educação Veja mais sobre quem faz 

Incapazes de enfrentar conflitos emocionais, cada vez mais, adolescentes recorrem para a autolesão como forma de aliviar o sofrimento da mente; um alerta à saúde mental que pede atenção

Pais, professores e psicólogos têm notado: a autolesão tem se tornado uma tendência cada vez maior entre adolescentes. Motivada por conteúdos veiculados nas mídias sociais e pelo aumento de casos de depressão nessa faixa etária, a automutilação em adolescentes vem quando a angústia extrapola a saúde mental e resulta no dano físico ao corpo.

A personagem Karina, da novela Travessia, na Globo é um retrato deste cenário. Após descobrir ser vítima de um pedófilo nas redes sociais e sofrer estupro virtual, a menina entra numa depressão profunda e como consequência passa a cortar o próprio corpo.

Numa das cenas, a amiga Isa tenta fazer com que Karina fale o que está acontecendo e a adolescente não consegue. Ela chora copiosamente e diz que não aguenta mais viver, que quer acabar com tudo, que precisa acabar com a dor.

 crédito: Getty Image

Essa última frase, “acabar com a dor”, também aparece no protagonista do filme O Filho quando ele tentar explicar ao pai o porquê ele se automutila. De maneira bem simplista, o ato do adolescente se cortar, se automutilar, é uma forma que ele encontra de desviar a dor interna para uma dor externa. O que estou querendo dizer: que é mais fácil lidar com a dor física do que com a dor emocional e essa é a estratégia que muitos adolescentes têm encontrado.

De acordo com o estudo da ONG Health Care, feito em clínicas privadas dos Estados Unidos, a autolesão intencional praticada por jovens entre 13 e 18 anos aumentou durante a pandemia. Ainda não existem dados que comprovem essa tendência no Brasil, mas, considerando os impactos negativos que a pandemia teve na saúde mental de adolescentes, o crescimento de casos de ansiedade e depressão, é possível dizer que o aumento de casos de autolesão pode ser percebido aqui também.

“A gente tem um aumento de depressão e de ansiedade e sentimos que a ansiedade está por trás desse comportamento autolesivo. Há uma relação nesse sentido”, explica dr. Guilherme Polanczyk, psiquiatra da Infância e Adolescência, citando também fatores como o estresse familiar agravado durante a fase de isolamento social da pandemia e conteúdos relacionados à autolesão nas redes sociais.

prática da autoflagelação aparece geralmente em momentos em que os adolescentes vivem situações de dor, sofrimento e angústia. Por se sentirem incapazes de enfrentar momentos adversos, como problemas familiares e conflitos emocionais, eles recorrem para a autolesão como forma de tentar aliviar o sofrimento da mente. O dano intencional ao próprio corpo pode ser representado por cortes nos braços e queimaduras, o que coloca em risco a integridade do jovem.

O motivo desse comportamento passa pelo sofrimento psíquico. O doutor Polanczyk explica que a autolesão pode ser motivada por psicopatologias como ansiedade, depressão e transtorno de personalidade. “Entendemos a autolesão como uma estratégia muito disfuncional para lidar com estresse e com dificuldades e como uma tentativa de mobilizar atenção no contexto em que o adolescente está inserido”, ele diz lembrando que essa pode ser uma maneira do adolescente comunicar que algo está errado com ele.

Nas redes sociais, mães que enfrentam o comportamento autolesivo dos filhos mostram preocupação: “Tenho uma filha de 13 anos e sou mãe solo desde que ela nasceu. Eu a apoio em tudo, converso muito com ela, mas ela fica me culpando por tudo. Não posso pedir para ela ajudar em casa ou ir à aula que já é motivo de ela achar que eu estou contra ela. E há um tempo, ela andou duvidando da sexualidade. O pior de tudo: descobri que ela se corta”.

Esse não foi o único relato encontrado em que o comportamento autolesivo é praticado por uma adolescente menina mergulhada em um contexto familiar disfuncional. A lacuna que aparece no ambiente familiar acaba sendo um gatilho para o desenvolvimento da prática da autolesão.

Essas, inclusive, são duas tendências apontadas por especialistas para explicar a autolesão em adolescentes: os machucados no próprio corpo geralmente são feitos por meninas em contextos familiares problemáticos. “Problemas familiares, disfunção familiar e eventualmente violência intrafamiliar são fatores de risco que muitas vezes estão associados”, relata o doutor Polanczyk.

A outra, são as redes sociais desde muito cedo. Já crianças, eles começam a ter contato com conteúdos inapropriados para a idade e, obviamente, não têm maturidade emocional e psicológica para lidar com o que veem. E o fato só tende a piorar conforme eles crescem e passam a ter mais acessos.

Quando um adolescente que, por exemplo, tem problemas com os pais ou consigo mesmo e se depara com imagens de autolesão, a tendência dele praticar o ato aumenta porque ele encontra ali uma aparente solução. E as redes sociais são facilitadores para que esse contato aconteça.

Em 2019, o Instagram passou a proibir imagens explícitas de automutilação (como cortes no corpo). Vale lembrar que, antes da proibição, o Instagram permitia esse tipo de conteúdo, desde que ele estivesse dentro de um contexto de confissão e existiam milhares de grupos para que os adolescentes se encontrassem e se espelhassem.

Ainda hoje, os conteúdos não explícitos poderão permanecem na plataforma sob a justificativa de que o Instagram não quer “isolar ou estigmatizar” esses casos, mas eles não são recomendados nem exibidos em pesquisas.

Isto porque na época da mudança, a plataforma dizia ter consultado especialistas e visto que era importante manter certos conteúdos relacionados à autolesão, desde que eles ajudassem as pessoas a obter apoio, como é o caso de posts com relatos de experiências. “É essencial criar espaços seguros para que os jovens possam falar sobre suas experiências – inclusive de automutilação – no ambiente online. No entanto, coletivamente, nos foi aconselhado que imagens gráficas de automutilação, mesmo ao tratar de alguém compartilhando momentos de dificuldades, tem o potencial de, sem querer, promover essa prática”, disse a plataforma em um comunicado oficial.

Hoje, quem pesquisa por autolesão ou cutting e self harm – como a prática é conhecida em inglês – realmente não acha conteúdos explícitos. Ao invés disso, o usuário se depara com a seguinte mensagem: “As palavras que você está procurando estão frequentemente associadas a conteúdo sensível”, acompanhada de um botão para obter apoio.

Na novela Travessia, a personagem Karina já explicitou algumas vezes querer tirar a própria vida, mas o que os médicos explicam é que a autolesão não necessariamente está associada à ideação suicida. Ela pode ser apenas um comportamento esporádico e não recorrente por parte do adolescente, o que não exclui a necessidade de buscar ajuda profissional.

O problema piora quando, de fato, a autolesão passa a fazer parte da rotina do jovem. Com isso, mesmo não tendo inicialmente a intenção, o comportamento autolesivo recorrente pode ter consequências graves. “Sabemos que, infelizmente, a autolesão não suicida pode ser o início de um caminho que leve a comportamentos suicidas e eventualmente até suicídio completo”, diz o doutor Polanczyk.

Aos pais, é importante estar atento a sinais de autolesão e ao humor do adolescente. Já falei aqui algumas vezes e volto a repetir, observar o comportamento do próprio filho é dos melhores termômetros. A oscilação de humor é algo natural na adolescência, mas, por exemplo, quando o mau humor se torna uma constante é algo a se observar.

O mesmo vale para a tristeza e o sofrimento. Um adolescente que vive triste está dando sinais de alerta e daí é preciso investigar o que tem por trás. É uma dificuldade em lidar com conflitos? É uma depressão? É uma necessidade de pertencer ao grupo? Ou um comportamento para mobilizar a atenção de todos?

A resposta nem sempre vem no tempo que gostaríamos ou da forma que gostaríamos, mas é importante procurá-las até mesmo para pedir ajuda a um profissional especializado. Casos de autolesão em adolescentes são sérios e precisam ser tratados. Não é “uma besteira”, nem algo que vai passar sozinho.

É comum escutar pais dizerem “ah! Isso é besteira, logo ela para com isso”. Não, não é. E lembrem da importância de valorizar a fala do adolescente, valorizar o que vem dele. Escute, acolha e procure ajuda quando você não se sentir capaz.

* colaborou André Derviche

https://www.estadao.com.br/emais/carolina-delboni/autolesao-na-adolescencia-um-pedido-de-socorro-e-um-alerta-a-saude-mental/