Belquiz Schifnagel Avrichir, psiquiatra do Programa de Esquizofrenia do IPq, fala sobre esquizofrenia. Leia a matéria no UOL/VivaBem.
Filhos, marido, esposa: é possível conviver bem com a esquizofrenia
Luiza Souto
“Você fazendo tudo certo, rola”, garante Mariah, moradora de Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro.
Ela quer dizer que diferentemente da percepção de que a pessoa com esquizofrenia não tem capacidade de se cuidar sozinha, com acompanhamento médico correto é possível ter uma vida parecida com a dela.
Muito bem articulada, Mariah conta que desde os 12 anos tinha crise de epilepsia, via vultos e ouvia vozes. Foi na faculdade que teve um surto psicótico e veio o diagnóstico de esquizofrenia.
Temendo que a doença passasse para uma filha biológica, o casal adotou Gabriel, então com 1 ano, mas aí veio a surpresa: logo depois Mariah engravidou de Carolina sem nem imaginar que seria possível. Hoje é uma menina saudável.
Mariah sente que há bichos sobre seu corpo, e diz que sempre tem um cachorro e um homem de preto ao seu lado. Mas consegue manter tudo sob controle, com suporte do companheiro e da família.
“Ser mãe é difícil, ainda mais tendo esquizofrenia, mas é preciso virar essa chave e entender que tem que seguir em frente, independentemente de quem estiver do meu lado.”
Depois do surto, pedido de casamento
Mesmo sabendo do diagnóstico do companheiro, a cozinheira Celice Brito, 46, não se assustou quando Leonardo Brito, 39, surtou na sua frente, e quis seguir ao seu lado. Tanto que o pediu em casamento e fez tratamento para engravidar.
Natural de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, Leonardo foi diagnosticado com esquizofrenia aos 26. Na época, tinha acabado de ser pai de uma menina. Entre os sintomas, alucinações com um palhaço, movimentos repetitivos e ataques de fúria. Foi internado em clínica psiquiátrica pela ex-mulher, mas ao sair não teve acesso a medicamentos e médicos. Separou-se e foi afastado da filha.
Ele seguiu a vida como missionário e, há cinco anos, Celice conheceu seu trabalho nas redes sociais e o convidou para pregar na igreja evangélica que frequenta, em São Paulo. “Tinha algo estranho no seu olhar”, ela lembra, complementando em seguida que Leonardo avisou ter um problema mental quando chegou.
Mesmo assim, ela frisa que o companheiro pregou “maravilhosamente bem”, mas na hora de partir teve “uma crise estranha, com movimentos repetitivos”. Somente ao levá-lo a alguns médicos, descobriu que ele tinha esquizofrenia.
Ela então se empenhou em cuidar de Leonardo. Passados três meses, e já se sentindo melhor, o homem comunicou que iria embora de sua casa, e foi aí que Celice o pediu em casamento. “Crente que não tem essa de namorar, né? E eu já estava muito envolvida. Então cheguei no duro e falei: ‘Escuta, você não quer casar comigo?'”, conta.
Com fala pausada, Leonardo afirma que tem um relacionamento perfeito, apesar dos delírios: “Eu não tinha tanto sentimento por ela, mas fazia tempo que ela cuidava muito bem de mim, então é tudo muito saudável”.
Celice reforça ser tão sadio que “tudo acontece normalmente, de ficarem duas, três horas namorando”. Mas que é uma luta solitária.
“Eu cuido de tudo, e muitas coisas não compartilho, porque senão ele começa a ter crise convulsiva e fica nervoso. Me sinto só e vulnerável, sem direito de adoecer”, diz.
‘Vale a pena ser pai mesmo assim’
Quando foi diagnosticado com esquizofrenia, em 2009, Cainã Nicolleli, 32, estava começando um namoro com a mãe de seu filho, que hoje tem 8 anos. Hoje separado, diz que a dupla vive num bom relacionamento.
Até fechar seu diagnóstico e encontrar os medicamentos que amenizassem seus sintomas, Cainã passou por algumas internações em clínicas psiquiátricas. Quando saiu, passou a ser acompanhado, a frequentar igreja e fazer atividade física. E diz que o filho, com quem fica a cada 15 dias, ajuda no tratamento.
Até fechar seu diagnóstico e encontrar os medicamentos que amenizassem seus sintomas, Cainã passou por algumas internações em clínicas psiquiátricas. Quando saiu, passou a ser acompanhado, a frequentar igreja e fazer atividade física. E diz que o filho, com quem fica a cada 15 dias, ajuda no tratamento.
“Ele conversa comigo, me ouve e acaba sendo meu psicólogo. Digo que vale a pena ter um filho mesmo que nessas condições, só tem que conversar com a companheira.”
E com a família também, complementa a mãe dele, Sarah Nicolleli, 59, criadora da AMME (Associação Mãos de Mães de Pessoas com Esquizofrenia). “Não existe uma fórmula para esquizofrenia, mas existe uma família que pode, através de amor e de informações, proporcionar uma qualidade de vida melhor.”
Saiba mais sobre a esquizofrenia
Os sintomas incluem alteração do comportamento e do pensamento (delírios e alucinações), dificuldade de socialização e de expressar emoções entre outros. No início, pode ser confundido com depressão. É comum que as famílias entendam como algo “próprio da adolescência”, atrasando a busca por tratamento.
O diagnóstico é complexo, por se tratar de uma soma de sintomas, sem nenhum exame que possa identificar a condição. É preciso que o médico observe por um período, que pode ser de meses, para chegar a uma conclusão precisa.
A doença dificilmente causa agressividade desde que o paciente esteja sob tratamento regular.
Não possui cura, mas 70% dos casos se recuperam e têm boa qualidade de vida com o tratamento adequado, que inclui antipsicóticos e psicoterapia. E 20% dos casos podem não responder adequadamente ao tratamento, precisando de medicamentos mais específicos. Já 10% dos casos são considerados de difícil tratamento.
O tratamento pode ser feito no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) ou em Ambulatórios de Especialidades Médicas, AME. A rede municipal disponibiliza a maioria dos medicamentos através de um programa de assistência farmacêutica. Especialistas recomendam que a família acompanhe de perto o tratamento para também ser orientada.
Fontes: Belquiz Schifnagel Avrichir, psiquiatra do Programa de Esquizofrenia do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP); Olga Leão e Leonardo Palmeira, respectivamente psicóloga e psiquiatra do Programa Entrelaços do Setor de Terapia de Família do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).