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Guilherme Polanczyk, do IPq, fala sobre isolamento social, em entrevista ao Jornal Estadão.

7 minde leitura

Chegou Setembro Amarelo e com ele a necessidade de ampliarmos a compreensão do suicídio. O que pode causa-lo? O que pode ser gatilho para um adolescente, você sabe? A solidão, que se tornou epidemia mundial, tem alcançado essa geração, mas o que fazer para evitar que eles virem estatísticas da doença?

“Se precisar de ajuda, peça”. Esse é o tema da campanha 2023 do Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio no Brasil. E é praticamente impossível falar dele sem passar pelo assunto saúde mental. Porque é ela quem garante o bom funcionamento do nosso sistema psicoemocional e é o equilíbrio das emoções que nos garante, de certa forma, a vida longe de doenças e/ ou transtornos mentais. Mas por que falar da solidão neste mês?

A solidão tem sido tema relevante em várias partes do mundo. Tanto que recentemente, uma das principais autoridades de saúde nos Estados Unidos, o médico Vivek Hallegere Murthy declarou que enfrentar a crise da solidão e do isolamento representa um dos maiores desafios desta geração. Entre as declarações, Murthy sugere que reconstruir as conexões sociais pode ser um dos caminhos possíveis para combater o que ele chama de epidemia da solidão.

No estudo A Pandemia e as Sequelas Emocionais, dirigido pelo médico dr. Guilherme Polanczyk, professor do departamento de Psiquiatria da Criança e do Adolescente da USP, é notável o aumento do sentimento pós isolamento social, principalmente entre meninas.

Isso porque eles observaram uma correlação com o aumento de uso das redes sociais e as consequências do espelhamento de uma falsa realidade da vida. É aquela conhecida história da “venda” de uma vida cheia de felicidade e pessoas bonitas versus a constante batalha com a imagem refletida no espelho.

Para entender melhor a complexidade do assunto, outro estudo conduzido pelos neurocientistas John T. Cacioppo e a esposa Stephanie Cacioppo, da Universidade de Chicago, já apontava a solidão como uma nova epidemia em meados de 2016. Naquela época, após uma década de pesquisa, os especialistas indicaram que mais de um terço das pessoas em países ocidentais se sentiam sozinhas.

Com base em 57 estudos e dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), um artigo recentemente publicado no British Medical Journal (BMJ) constatou que o sentimento de solidão é uma realidade presente em 113 países. Os dados estavam disponíveis para adolescentes (12 a 17 anos) em 77 países, jovens adultos (18 a 29 anos) em 30 países, adultos de meia-idade (30-59 anos) em 32 países e adultos mais velhos (>=60 anos) em 40 países.

Fora da Europa, não há dados disponíveis para todas as faixas etárias, exceto para os adolescentes. A prevalência combinada da solidão entre os adolescentes variou de 9,2% no Sudeste Asiático a 14,4% na região do Mediterrâneo Oriental.

Nos Estados Unidos, um relatório de 2020 da Universidade Harvard mostrou que um em cada três americanos relatou sentir solidão frequentemente, com 61% dos jovens adultos. No Brasil, uma pesquisa publicada na PubMed em 2015 informou que 15% dos estudantes brasileiros, com idades entre 13 e 17 anos, se sentiam solitários por várias razões.

Mas o que é este “sentimento de solidão“, você sabe? É um sentimento de não pertencimento, de não ter um lugar de aceitação do mundo, aquela impressão de não cabe em lugar algum, sabe? A sensação constante e ininterrupta de estar sozinho – mesmo estando acompanhado.

Uma pessoa pode viver em família, em comunidade, em república universitária, em espaços coletivos e cheios e, ainda sim, se sentir sozinho. A dificuldade – que é multifatorial – de estabelecer relações sociais é que vai medir o grau do sentimento de solidão de uma pessoa, e não a quantidade de gente que tem a seu redor.

Pessoas sozinhas podem conviver muito bem com a solitude – a glória em estar sozinho, em latim -, mas o ser humano e muitas das espécies animais não nasceram para viverem sozinhas e/ou fora das relações sociais. E como bem disse, recentemente, o médico Drauzio Varella, no podcast Outros Tempos com a jornalista Maria Cristina Poli, “estou convencido de que é muito importante evitar a solidão”.

“Hoje a gente sabe que as pessoas solitárias têm 28% a mais de ataques cardíacos, 30% a mais de diabetes, o número de acidentes vasculares cerebrais aumenta muito e ela tem vida mais curta também. É multifatorial, então eu procuro manter as minhas amizades, cultivá-las porque amigo dá trabalho”, conclui.

E em tempos em que a vida ganhou conotação de trabalho extra, em tempos de baixa tolerância ao que é diverso do que eu penso, ainda vivendo reflexos e sequelas do pós-isolamento social da pandemia COVID-19, fica realmente complicado retomar as relações sociais e de maneira saudável.

A gente sabe – e os especialistas em saúde mental confirmam – que os últimos dois anos foram particularmente desafiadores para os adolescentes, uma vez que suas rotinas de estudo e lazer foram completamente modificadas. Isso ressaltou as fragilidades que já existiam antes da pandemia, resultando em uma maior falta de conexão e, portanto, maior presença do sentimento da solidão.

Além disso, investigar o tipo de solidão que os adolescentes estão experimentando é importante antes de qualquer decisão. Em alguns casos, pode ser um sentimento temporário que faz parte do processo de autoconhecimento; em outros, pode ser mais preocupante, exigindo ajuda – e é deste aqui que estamos falando.

A psicanalista Maria Cristina Labate Mantovanini, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBPSp), explica: “existe um tipo de solidão que é necessária, que acompanha o adolescente enquanto ele busca construir sua identidade. Isso é um processo individual”. No entanto, ela complementa que os adolescentes também têm uma natureza gregária, precisando de grupos para se desenvolverem, construírem identidades e aprenderem a se separar dos pais.

Em relação à solidão crônica, Mantovanini prefere analisar o fenômeno através das lentes da sociologia e da antropologia, em vez de se ater apenas à psicanálise ou às questões emocionais. Ela observa que vivemos em uma sociedade extremamente individualista, onde cada pessoa está imersa em sua própria “bolha”, seja no smartphone, seja no notebook.

Para ela, as redes sociais, os videogames e aplicativos de mensagens podem contribuir para a solidão e para a chamada desconexão social. Ela ressalta que, por trás das telas, os adolescentes sentem a ilusão de estarem protegidos, evitando a necessidade de enfrentar situações presenciais.

“Nas telas, eles podem expressar seus pensamentos sem consequências, pois não estão cara a cara com os outros. Isso lhes dá a liberdade de falar impulsivamente, sem reflexão”, explica. E mais do liberdade, isso não dá contorno. Não dá a sensação exata do que é viver em sociedade e experimentar as consequências dos seus próprios atos. Você já ouviu sobre isso, certo?

As redes sociais podem amplificar as idealizações que os adolescentes têm – e que todos nós temos. O que leva alguns a enfrentarem dificuldades na transição do mundo virtual para o real, especialmente quando o que encontram pela frente não corresponde às suas idealizações. O desafio pode ter impactos no dia a dia e um deles é o isolamento e o sentimento de solidão, uma vez que ele passa a não pertencer a grupo algum.

Eu já falei isso aqui algumas vezes, mas vou repetir porque neste caso é melhor pecar pelo excesso: o adolescente existe na relação com o outro. E o adolescente se constitui a partir da relação com o outro, portanto, ela é crucial para todo processo de desenvolvimento e amadurecimento do sistema psicoemocional de maneira saudável.

No consultório de Mantovanini, os adolescentes frequentemente expressam a busca por grupos de pertencimento. Eles formam bandas, grupos de teatro e clubes escolares como maneira de se conectar. No entanto, a necessidade de compreensão dentro desses grupos ainda é forte, principalmente por conta da impulsividade característica dos adolescentes.

“As emoções dos adolescentes não são estáveis; eles podem se adaptar rapidamente ou rejeitar algo rapidamente. O que faz com que uma decepção possa ser superada em pouco tempo, mas vivida numa intensidade que pode parecer desproporcional”, esclarece a psicanalista.

Possíveis caminhos para ajudar os adolescentes Aristóteles, filósofo grego, afirmava que o ser humano é um ser social. Ele dizia também que a solidão não era humana. E se voltarmos lá na história cristã da humanidade, vamos nos lembrar que Deus criou Eva para que Adão não vivesse sozinho. Isso é o que dizem, mas fato é que desde que o mundo é mundo a solidão tem nos acompanhado.

O grande problema é que ela se tornou uma praga, uma doença, uma epidemia que se alastra e em tempos de tanta necessidade de cuidado da saúde mental, é mais que urgente voltarmos os olhos – e o coração – para este tema.

E eu te convido a não só teorizar sobre as relações sociais dos adolescentes e a necessidade que eles têm de estabelece-las até como forma de prevenção à solidão, mas a se relacionar com eles. É um desafio – ou pode parecer – mas é importante que pais e/ou responsáveis legais sejam capazes de escutá-los para compreendê-los e daí sim, ajudá-los.

Mantovanini acredita que a primeira etapa para lidar com adolescentes não é entrar em conflito com eles, mas sim se aproximar deles. É fundamental abordá-los com respeito, reconhecendo suas dores e preocupações, em vez de minimizá-las. Lembra: adolescentes também sofrem e, apesar de muitas vezes parecerem dramáticos ao extremo, nenhuma dor pode ser tratada como fútil. Dor é dor, não importa o tamanho.

“Embora a gente saiba que essa fase pode passar em algum momento, o adolescente não tem essa perspectiva. Portanto, os pais, professores e responsáveis devem se esforçar para entender a angústia que os adolescentes sentem”, aconselha.

A psicanalista entende que para os pais pode ser uma tarefa difícil, afinal, ninguém quer ver um filho sofrendo, tanto que a tendência é querer resolver logo o problema. Por essa razão, ela destaca a importância de ouvir, de validar as emoções e dar espaço para que os adolescentes expressem seus medos, dores, frustrações e sentimentos de alegria.

A especialista acredita que projetos coletivos sociais, artísticos (visitem a Bienal de arte em São Paulo que um dos temas é a cura através da arte), e culturais podem ser úteis para romper as barreiras da solidão. Ela afirma que os adolescentes precisam de projetos nos quais possam se identificar e sentir que são parte de algo maior. Numa sociedade cada vez mais narcisista, em que o individualismo é promovido, esses projetos podem oferecer um antídoto para a solidão.

Já dizia Alceu Valença, “a solidão é fera, a solidão devora” e a gente não vai permitir que ela devore uma geração de adolescentes e jovens, certo?

* colaborou Elaine Rodrigues Vale

 

https://www.estadao.com.br/emais/carolina-delboni/solidao-se-e-uma-epidemia-mundial-como-evitar-que-adolescentes-sofram-da-doenca/