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Rogéria Taragano, do IPq, fala sobre  dietas restritivas. Confira a em entrevista no Jornal Estadão.

Não tem a ver com força de vontade ou incapacidade; entenda os obstáculos no meio do processo e como chegar a um padrão alimentar realmente sustentável

Dizem que segunda-feira é o dia oficial da dieta. E se você já está prevendo um final de semana mais relaxado para, depois, dar início a uma alimentação restrita, saiba que é bem provável que essa decisão não dure muito tempo.

Não tem nada a ver com força de vontade ou incapacidade. “Raramente as pessoas param para refletir o porquê estão entrando em uma dieta. Você tem algum motivo de saúde ou só está sendo mobilizado por algum tipo de padrão estético? É por você ou por tudo aquilo que fica consumindo de conteúdo digital relacionado a estereótipos e padrões culturais?”, reflete Rogeria Taragano, psicóloga clínica especialista em transtornos alimentares e colaboradora do Ambulatório de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o Ambulim.

A cultura do corpo magro – e das dietas restritivas para alcançá-lo – sempre foi forte em nossa sociedade, então há milhares de livros e sites por aí ditando o melhor regime, os piores alimentos ou táticas “infalíveis” para emagrecer. E, por conta da pressão estética, em grande parte estimulada por comparações em redes sociais, muita gente quer resultados “para ontem”.

Assim, ao invés de construir uma relação saudável com a comida, ela passa a ser encarada como inimiga. A cozinha vira um campo minado. Isso ajuda a explicar por que muitos planos alimentares são abandonados pelo meio do caminho.

Além disso, de acordo com a Associação Brasileira de Nutrologia, pelo menos sete em cada 10 brasileiros já tentaram perder peso por conta própria, sem a ajuda de um profissional de saúde – justamente quem poderia ajudar a identificar uma real necessidade de perda de peso e o melhor jeito de atingir metas, que precisam ser factíveis.

De acordo com um estudo de 2022, conduzido pela Universidade de Vermont (EUA), a maioria dos vídeos do TikTok que fala sobre comida e nutrição tem a ver com emagrecimento. “Os temas principais incluíram a glorificação da perda de peso, o posicionamento dos alimentos para alcançar a saúde e a magreza e a falta de vozes de especialistas que forneçam informações sobre nutrição e saúde”, afirma o artigo.

Tentando alcançar essa perfeição ilusória, a psicóloga Ada Rodrigues, de 30 anos, já se submeteu a diversas dietas que, hoje, enxerga como “malucas”. “Eu comia muito pouco porque tinha uma relação ruim com o meu peso. Todo dia de manhã, antes do trabalho, fazia questão de conferir quanto estava pesando na farmácia”, lembra ela. “Eu sentia muita culpa quando comia qualquer coisa, ficava doente direto e passava mal diversas vezes: no ônibus, no metrô, andando na rua”.

A influência dos outros na vida de Ada teve grande impacto na sua alimentação, como a avó insistindo para que comesse tudo o que tinha no prato ou o pai implicando por causa de um brigadeiro. “Tudo mudou quando passei a ter autonomia, fazendo minhas compras no mercado e cozinhando. Hoje, comer se tornou uma diversão.”

Adotar padrões alimentares rígidos de um dia para o outro pode favorecer noções de merecimento e punição, o que aumenta os riscos de um ciclo tóxico com a comida. Sem falar que limitar demais a dieta, cortando tudo aquilo que dá prazer, costuma ser insustentável em longo prazo. Por isso, a tendência é começar um regime e, ao menor sinal de “deslize”, vem a frustração e episódios de comilança. Na sequência, tem a punição, representada por mais um período de restrição alimentar. Daí porque é tão comum ouvir relatos como o de Ada, que afirma ter experimentado “milhares de dietas”.

Além disso, é importante frisar o impacto da pressão social especialmente em relação ao corpo feminino. Em seu famoso livro “O mito da Beleza” (1992), a autora Naomi Wolf diz que “as mulheres sentem culpa com relação à gordura, porque reconhecemos implicitamente que, sob o domínio do mito, nosso corpo não pertence a nós, mas à sociedade, que a magreza não é uma questão de estética pessoal e que a fome é uma concessão social exigida pela comunidade.”

“A mulher pode se sentir muito frustrada, achando que todo mundo consegue (fazer dieta e ser magra), menos ela, sendo que, muitas vezes, a gente não sabe o que de fato está se passando com o outro. Esse é um olhar muito superficial. Mas isso gera impactos para autoestima, para os sentimentos de competência pessoal”, reflete Rogeria, do Ambulim.

O apelo e as furadas das dietas restritivas

Esse tipo de padrão alimentar costuma fazer sucesso porque, em curto prazo, realmente mexe com o ponteiro da balança. O problema é que nosso corpo é bem mais esperto do que a gente pensa. E, quando sofremos uma perda de peso muito drástica, ele vai fazer tudo que puder para tentar recuperar seu estado anterior, já que entende o emagrecimento rápido como uma agressão. Uma das maneiras que ele encontra para se proteger é aumentando o apetite. Aí, começa o ciclo de emagrece e engorda.

Estudos indicam que o famoso efeito sanfona pode ser muito mais prejudicial do que se manter em um determinado peso. Um dos motivos para isso é que uma eliminação rápida de peso costuma acontecer às custas de gordura, mas, também, de massa muscular. Mas, ao recuperar os quilos perdidos, a tendência é ganhá-los sobretudo em forma de gordura. É uma troca bastante desvantajosa.

“Para nossa saúde, essa questão da constância dos comportamentos é muito importante, incluindo o comportamento que a gente tem com a comida. Por isso, a gente tem que pensar em mudanças sustentáveis. Se você vai fazer só por um tempo, isso não vai te trazer realmente nenhum benefício”, garante a nutricionista Fernanda Imamura, de São Paulo.

Para o corpo, o peso é só uma consequência de vários fatores. Muito mais relevante é o que a pessoa come, de que maneira essa alimentação acontece, além da qualidade e variedade do cardápio. Tanto é que, hoje, o IMC (índice de massa corporal) nem é mais considerado um bom parâmetro individual de saúde.

“Faz mais sentido investir em pequenas mudanças no dia a dia do que fazer algo radical. É muito mais saudável para o metabolismo”, recomenda a nutricionista. Ela também alerta que o emagrecimento não deve ser a grande inspiração. “Se a pessoa definir que quer chegar a determinado peso, fará de tudo para isso acontecer. Mas é preciso ter outras motivações, como conquistar mais saúde, bem-estar e qualidade de vida ou prevenir doenças crônicas”, exemplifica. “O emagrecimento é consequência desse processo”.

Alimentação também é prazer

“Não existe falar em educação alimentar sem avaliar o paciente de forma individual”, defende Fernanda. A genética, as questões hormonais, os hábitos e as preferências de cada pessoa são essenciais para resolver essa equação.

“Às vezes, a pessoa até começa uma dieta restritiva muito motivada, mas não consegue sustentar por muito tempo porque isso tem implicações na vida, no dia a dia, nas coisas que ela deixa de fazer para poder manter uma dieta”, explica Rogeria.

O Brasil é um dos vários países que realiza celebrações ao redor de uma mesa farta. Ou seja, estar em uma dieta influencia na vida social do indivíduo, já que esses momentos passam a ser evitados. Ou o sujeito até participa, mas não come nada – e, se come, depois fica se sentindo mal e entra naquela rota da punição.

“Uma forma de manejo de estresse é poder vivenciar momentos bons, sensações positivas e instantes agradáveis de troca, de relacionamento, de amizade. A gente precisa disso para poder lidar com experiências mais difíceis”, reflete a psicóloga.

As horas de prazer passam a ser substituídas por ideias rígidas em torno da alimentação. De acordo com a especialista, quadros de ansiedade e depressão podem até ser agravados, uma vez que estão associados ao isolamento social.

“Pensar a respeito da alimentação e das razões que te levam a comer certa coisa dá trabalho. E até entender melhor como funciona o seu corpo e sua fome, tem que parar, olhar para você e prestar atenção no que está fazendo, nos sinais do organismo e em como isso reflete na hora de montar um prato”, explica a nutricionista.

Evitar as dietas restritivas é ter mais autonomia sobre a alimentação. E, a partir do momento em que interpretamos melhor nossas necessidades, começamos a praticar o que é conhecido como comer intuitivo. “Os sinais de fome e saciedade, que são coisas que acabam sumindo do radar quando você faz uma dieta, passam a ser percebidos e valorizados”, diz Rogeria.

O que de fato devemos fazer para emagrecer?

Nenhuma mudança brusca se sustenta, ainda mais sem saber exatamente o significado dela para você. Para sair do piloto automático e transformar o modo de comer, a reeducação alimentar é necessária.

Mas não significa que é um processo tranquilo. Mudar um comportamento, independente de qual seja, gera um sofrimento e, por isso, não é fácil. “A nossa sociedade, de forma geral, tem essa característica de ser muito imediatista. Queremos as coisas de forma rápida e não temos a paciência para esperar. Mas um processo de mudança de comportamento exige tempo”, relata Fernanda.

E pensar em mudança à mesa não significa excluir da rotina justamente aqueles alimentos que dão prazer e energia, mas, sim, aprender o melhor momento de recorrer a eles e fazer isso de forma consciente.

Em resumo, o ideal é esquecer as chamadas dietas e focar em uma reconstrução da relação com a comida – um profissional da saúde pode ajudar nesse caminho. Quando essa reconexão acontece, o corpo naturalmente responderá. Pode não ocorrer na velocidade desejada, mas a tendência é que seja uma conquista perene – que vai te livrar dos planos de sacrifício de toda segunda-feira.

https://www.estadao.com.br/saude/por-que-abandonamos-dietas/