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Patricia Hochgraf, do IPq, fala sobre dependência substitutiva em matéria do Portal do Drauzio Varella. Confira!

Um cigarro por uma dose de álcool: a substituição de dependências acontece quando a pessoa troca uma substância ou um comportamento compulsivo por outro. Entenda.

É bem provável que você já tenha ouvido falar de alguém que tratou uma compulsão alimentar e se tornou frequentador assíduo da academia. Ou alguém que largou drogas pesadas, mas acabou se envolvendo com jogos de azar. Ou ainda alguém que deixou de fumar cigarro e passou a beber todo final de semana — e, às vezes, durante a semana também.

A troca de uma dependência por outra, fenômeno chamado de dependência substitutiva, pode acometer qualquer pessoa que estiver tentando se livrar de uma adição. Nesses casos, substitui-se a dependência inicial por outra, que faz tão ou mais mal quanto. E aí o problema se torna ainda mais complexo.

O que é a dependência substitutiva?

“Não é uma doença nem um transtorno. Ele não tem uma definição específica, então não é um diagnóstico em si. É um fenômeno que a gente observa acontecer em algumas dependências”, explica o dr. Luiz Zoldan, psiquiatra e especialista em dependência química e psicoterapia na Liberté – Saúde Mental, em São Paulo.

Por não ter critérios estabelecidos nos manuais médicos, fica complicado estabelecer métodos de análise que permitam a realização de estudos mais aprofundados sobre o assunto. No entanto, uma revisão sistemática feita em 2021 na Universidade Ryerson, em Toronto, no Canadá, e publicada na revista “Clinical Psychology Review”, compilou algumas das principais descobertas em relação à substituição de dependências.

O resultado foi que 53% dos 96 trabalhos realizados desde 1975 demonstram que o combate a uma dependência reduz também o consumo de substâncias parecidas ou comportamentos excessivos associados. Menos de 20% deles apresentaram a ocorrência de substituição da dependência, o que atesta que o fenômeno não é a regra, mas pode acontecer.

Causas da substituição de dependências

Quando partimos para a análise das possíveis causas, o tema fica ainda mais emaranhado. Isso porque o desenvolvimento de uma dependência não tem uma explicação única: é o resultado de diversas questões sociais, neurológicas, emocionais, genéticas, entre outras.

Alterações neurobiológicas

Um exemplo que deixa muito claro como o funcionamento do cérebro interfere no desenvolvimento e/ou substituição de dependências é o da cirurgia bariátrica. A psiquiatra Patrícia Hochgraf, especialista em dependência química e coordenadora do Programa da Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, afirma que um terço de suas pacientes alcoólatras realizou a cirurgia de redução do estômago no passado — e existem várias evidências científicas que confirmam essa relação no panorama geral.

“O que acontece? Na cirurgia bariátrica, a pessoa tem uma alteração no sistema mesolímbico dopaminérgico [parte do sistema de recompensa do cérebro]. Antes, ela comia alimentos altamente palatáveis e precisava de cada vez mais alimentos desse tipo para ter uma descarga de dopamina, ou seja, a sensação de prazer. Quando você faz a bariátrica, você retira hormônios ligados ao sistema dopaminérgico, deixando-o desregulado. É retirado o prazer que os alimentos altamente palatáveis trazem e ele [o sistema] fica pronto para ‘colar’ em qualquer coisa. Normalmente, o álcool”, explica a psiquiatra.

As mudanças nas funções neurobiológicas do organismo podem resultar na substituição do comer compulsivo por qualquer outra dependência. No entanto, o álcool é o mais comum por estar mais próximo da realidade da maioria das pessoas — diferentemente de drogas pesadas, como cocaína, por exemplo.

Pertencer a um grupo

A questão social também tem relevância. Muitas vezes, o adolescente começa a desenvolver uma dependência para se sentir parte do grupo.

“Se você tira o álcool, por exemplo, o jovem vai fumar maconha ou vai arrancar o cabelo (tricotilomania). Muitas vezes, a droga é usada para ser validada pelo grupo. Quando você retira aquela substância, ele pode lançar mão de outras coisas para se sentir pertencente”, diz a dra. Patrícia.

Outra explicação seria a tentativa de amenizar o desprazer causado pela retirada da substância que gerou a dependência inicial.

“Já vi pacientes pedindo Clonazepam quando param de usar crack, começando a fumar maconha quando param de cheirar cocaína ou desenvolvendo compras compulsivas e outros tipos de comportamentos excessivos quando param de consumir álcool”, exemplifica a especialista.

Esquecer os problemas 

No mesmo sentido, muitas pessoas utilizam a substituição de dependências para “fugir” de problemas psicológicos que causaram a adição inicial e não foram tratados. É o caso, por exemplo, de uma mulher que se torna dependente de álcool para combater a insônia que surgiu durante a menopausa.

“Problemas mal resolvidos, traumas de infância, depressão… São aspectos individuais daquela pessoa que originalmente levaram ao comportamento aditivo e não são tratados. A pessoa tem uma depressão que gerou o uso abusivo de álcool, ela consegue parar de beber, mas não trata a depressão. Consequentemente, pode desenvolver outra dependência, como em medicamentos benzodiazepínicos, por exemplo”, ilustra o psiquiatra Luiz Zoldan.

Falta de apoio

A situação é semelhante entre aqueles que utilizam as substâncias para amenizar o estresse do dia a dia, principalmente se não houver uma rede de apoio. Quando o indivíduo larga do hábito de tomar uma dose de whisky ao chegar em casa do trabalho para relaxar, ele pode acabar substituindo por comer um doce, trocando o abuso do álcool por uma compulsão alimentar.

“Se eu não tenho apoio suficiente para lidar com a má gestão de estresse, eu posso acabar migrando para outro comportamento. Aí eu estou falando tanto de apoio familiar quanto profissional, de um psiquiatra ou psicólogo”, alerta o dr. Luiz.

Quem está mais sujeito a substituir uma dependência?

Cerca de 90% das pessoas do planeta entram em contato com a bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida. Destas, apenas 10% se tornam dependentes. Por que isso acontece? É difícil dizer. Não se sabe exatamente quais são os fatores que levam uma pessoa à dependência, mas existem hipóteses sobre quem estaria mais suscetível.

Segundo a dra. Patrícia, a genética é um fator importante. Ela afirma que filhos de pais alcoolistas têm uma chance 50% maior de se tornarem dependentes do que quem não tem pais alcoolistas. O dr. Luiz explica que, de acordo com estudos, existem algumas áreas cerebrais que possuem uma menor densidade de receptores de dopamina, o que causaria a predisposição às dependências, seja por substâncias ou comportamentos compulsivos.

“Se a pessoa tem uma dependência primária, existe uma grande chance de ela ter essa predisposição genética ao desenvolvimento de novas adições. Então, é preciso tomar muito cuidado em trocar uma coisa por outra. Esse é um dos principais riscos: originar uma segunda dependência que seja ainda pior do que a primeira”, ressalta o dr. Luiz.

O psiquiatra afirma ainda que esse fenômeno é mais comum quando envolve o tratamento de substâncias com alto potencial dependogênico, isto é, de causar dependência. A nicotina é um dos principais exemplos, assim como os opióides.

Além disso, há ainda um risco maior associado a pessoas com comorbidades não tratadas, como transtornos alimentares, depressãoansiedade e estresse pós-traumático, bem como pessoas que realizaram a cirurgia bariátrica.

“Quando você manda alguém que tem uma dependência para o tratamento, é muito importante avaliar essa pessoa como um todo. Não é só aquela substância. É aquela substância e o risco de trocá-la por outro comportamento substitutivo. É a questão social. Como essa pessoa se insere no seu meio? Como ela se relaciona? Ela tem doenças de base? Por isso, o cuidado tem que ser multidisciplinar”, destaca a dra. Patrícia.

O tratamento é baseado em quatro pilares:

  • Medicamentoso: o psiquiatra avalia se há algum medicamento que possa ajudar a diminuir o comportamento de busca, seja pela substância ou pelo comportamento compulsivo;
  • Psiquiátrico: além disso, o profissional também procura transtornos mentais prévios que possam estar contribuindo para a dependência ou a substituição dela;
  • Psicológico: o psicólogo auxilia no desenvolvimento de estratégias de combate à dependência, prevenção de recaídas e promoção de habilidades socioemocionais para lidar com o estresse do dia a dia;
  • Grupos terapêuticos: o paciente pode participar de grupos comandados por um profissional de saúde mental ou grupos de mútua-ajuda organizados por pessoas que já superaram aquela mesma dependência, como os Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Codependentes Anônimos, entre vários outros.

Profissionais como assistentes sociais, enfermeiros e educadores físicos também podem fazer parte do tratamento. Além disso, um dos objetivos principais é substituir a dependência por comportamentos prazerosos.

“Existe uma descarga dopaminérgica, ou seja, de muito prazer, ao fazer sexo ou usar cocaína. Mas isso não acontece ao ler um livro, por exemplo. A ideia, portanto, é trocar a dependência por comportamentos alternativos que trazem prazer, mas não causam dependência. Sair com os amigos, fazer exercícios, pintar a unha, arrumar o cabelo, cuidar da saúde, etc”, afirma a psiquiatra.

O dr. Luiz lembra ainda que a dependência em si caracteriza um consumo ou um comportamento excessivo. Portanto, mesmo que se substitua uma adição por outra considerada “positiva”, como, por exemplo, a prática de atividades físicas, não é mais saudável a partir do momento que ela saia do controle do indivíduo e comece a fazer mal.

Sabe-se que a dependência é uma condição que não afeta apenas o indivíduo, mas também aqueles que estão próximos a ele. O apoio da família e dos amigos é fundamental desde o início do diagnóstico, demonstrando que existe ali um problema, até o fim do tratamento, mantendo-o afastado das causas da dependência e oferecendo outras fontes de prazer.

Durante esse processo, a informação e a paciência são essenciais para estar ao lado do paciente, que pode sofrer alterações de humor no período de abstinência. Amigos e familiares também podem buscar grupos de apoio, bem como acompanhamento psicológico e psiquiátrico, a fim de ser capaz de auxiliar na mudança do estilo de vida do ente querido.

https://drauziovarella.uol.com.br/drogas-licitas-e-ilicitas/por-que-algumas-pessoas-trocam-uma-dependencia-por-outra/