Alexandre Pinto Azevedo, do IPq, fala sobre ortorexia, em matéria da Revista Marie Claire. Confira!
Ortorexia: você sabia que a obsessão por alimentação saudável pode se tornar um distúrbio mental?
A busca exagerada pela ‘comida limpa’ pode resultar em um transtorno caracterizado por um foco rigoroso na qualidade, no preparo e no consumo de comidas boas para a saúde. Combater esse comportamento é um desafio numa sociedade que aplaude e rigidez
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Marcella CentofantiEm Colaboração para Marie Claire — de São Paulo (SP)
Em junho deste ano, a personal trainer e influenciadora fitness britânica Alice Liveing, de 30 anos, revelou em entrevista ao jornal The Times que sua obsessão pela alimentação saudável, acompanhada de treinos exaustivos, teve um efeito negativo sobre sua saúde. Sono ruim, mau humor, falta de energia e irregularidade menstrual foram alguns problemas relatados por ela.
A história da influenciadora comprova a máxima de que nada em excesso é bom, nem mesmo em nome do suposto bem-estar. A busca pela dieta perfeita pode resultar em ortorexia, um termo cunhado em 1997 pelo médico norte-americano Steve Bratman e caracterizado por um foco rigoroso na qualidade, no preparo e no consumo de comidas boas para a saúde.
“São pacientes que têm uma discriminação muito, muito rigorosa sobre qual alimento é saudável ou não, a ponto de não comer em restaurantes. Às vezes, eles usam o nome ‘comer limpo’, um termo difundido na internet e, infelizmente, também entre profissionais de saúde”, afirma a psicóloga clínica Vanessa Tomasini, especialista em terapia comportamental dialética (DBT), aprimorada em transtornos alimentares pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Uma das dificuldades relacionadas à ortorexia é o fato de o comportamento ser bem visto socialmente e até mesmo endossado por alguns médicos, nutricionistas e educadores físicos. “Nós vivemos em uma sociedade em que comportamentos rígidos são aplaudidos e reforçados. A pessoa que recusa o bolo da tarde no trabalho ou que leva uma marmita na festa de criança é elogiada”, aponta Tomasini.
A psicóloga pontua que os seres humanos são comedores emocionais e sociais. “Nós comemos com contexto, afeto, memória, prazer e, às vezes até para satisfazer o outro, como um neto que chega sem fome na casa da avó mas come um pouco para agradá-la. Regras muito rígidas causam restrições sociais”, diz.
O que é a ortorexia?
A ortorexia não é considerada um transtorno alimentar pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tampouco pelo DMS-5, o manual da Associação Americana de Psiquiatria que norteia o diagnóstico de doenças mentais. Ainda assim, trata-se de um fenômeno observado nos consultórios dos profissionais de saúde.
“Por não haver estudos científicos sobre esta possível patologia, ela ainda não pode ser considerada um transtorno psiquiátrico, mas talvez possa ser observada como um distúrbio do comportamento alimentar ainda não categorizado”, afirma o psiquiatra Alexandre Pinto de Azevedo, assistente do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Como é uma pessoa com ortorexia?
Bratman sugeriu alguns critérios para identificar o ortoréxico. Entre eles estão:
– Gastar mais de 3 horas do dia pensando sobre alimentos saudáveis;
– Preocupa-se mais com a qualidade da comida do que com o prazer em comê-la;
– Perceber que, à medida que a qualidade da dieta melhorou, a qualidade da vida piorou;
– Isolar-se socialmente;
– Deixar de experimentar alimentos por acreditar que não são corretos;
– Sentir uma melhora na auto-estima enquanto come alimentos “saudáveis”;
– Observar criticamente aqueles que não seguem essa dieta;
– Sentir culpa ao ingerir alimentos que gosta, mas não estariam na dieta.
Considera-se que a pessoa está adoecida quando o comportamento traz prejuízos sociais, ocupacionais e familiares, e quando o tema central da vida se torna os cuidados com a alimentação.
“Por exemplo, quando o indivíduo passa a querer ter absoluto controle sobre a procedência dos alimentos, desde seu plantio ou industrialização até a maneira como foi manipulado e preparado. Quando o indivíduo deixa de frequentar lugares ou interagir com outras pessoas, caso o encontro tenha alimentos de origem desconhecida. Na grande maioria das vezes não podemos ter esse controle”, diz o psiquiatra.
Não há dados confiáveis sobre a prevalência de ortorexia, até porque o quadro não é considerado um transtorno mental oficialmente. No entanto, de acordo com o psiquiatra da USP, pesquisas científicas conduzidas nos últimos 10 anos indicam que o número de pacientes com esse padrão de comportamento vem crescendo.
Que tipo de transtorno é a ortorexia?
A ciência ainda não definiu qual tipo de transtorno mental poderia estar associado ao quadro.
“A origem da ortorexia foi rastreada no transtorno obsessivo-compulsivo, fobias ou hipocondria, mas a pesquisa até o momento não permite a formulação de conclusões inequívocas. Alguns pesquisadores sugerem que a ortorexia deve ser localizada dentro do espectro de transtornos alimentares”, aponta o psiquiatra.
Complicações do quadro e tratamento
Como ocorreu com a influenciadora britânica, a ortorexia pode afetar o equilíbrio nutricional da pessoa (causando, por exemplo, anemia, perda extrema de peso e desnutrição) e afetar sua saúde física e mental, impactando sua qualidade de vida.
O quatro pode trazer ainda consequências emocionais (como a sensação de culpa após ingerir alimentos considerados insalubres), cognitivas (a exemplo de problemas de atenção e concentração) e/ou sociais (exclusão social, por exemplo).
Por não se tratar de um transtorno formalmente reconhecido, não existe um tratamento considerado padrão. “Em princípio, acredito que a escolha seria a combinação de terapia nutricional e psicoterapia (de orientação comportamental-cognitiva), ambos favorecendo a quebra das crenças estabelecidas sobre uma dieta saudável, modificando lentamente o padrão alimentar, com inserção de alimentos antes excluídos, e preservando o senso de segurança e autoestima conquistados”, diz o psiquiatra.