Kátia Valente e Mirella Mariani, ambas do IPq, falam sobre como lidar com pacientes com transtorno do jogo, em matéria da Medscape. confira!
Apostas on-line: como lidar com pacientes com transtorno do jogo
Anna Ferrazza
8 de outubro de 2024
Os brasileiros movimentaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões em transferências via Pix de pessoas físicas para empresas de apostas on-line em 2024.
Os dados fazem parte de um levantamento realizado pelo Banco Central e mostram a dimensão do impacto causado pelas apostas esportivas on-line no país, que geram uma série de efeitos na saúde de quem se envolve com a prática.
Em setembro, a Ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou que é preciso lidar com a dependência em apostas on-line da mesma maneira como se faz com o tabagismo. Ao mesmo tempo que a aproximação dos dois problemas demonstra comprometimento com o tema, o transtorno do jogo é reconhecido como transtorno psiquiátrico há mais de 20 anos e exige protocolos próprios para o tratamento dos pacientes.
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, 25 milhões de pessoas começaram a apostar em plataformas esportivas on-line nos sete primeiros meses de 2024, uma média de 3,5 milhões de novos participantes por mês. Em cinco anos, 52 milhões de brasileiros gastaram algum dinheiro com apostas on-line — desse total, 48% aderiram à prática nos primeiros meses deste ano. Ainda, o levantamento mostrou que 53% dos apostadores são homens, enquanto 47% são mulheres. Segundo os dados, 40% dos jogadores têm entre 18 e 29 anos, 41% têm de 30 a 49 anos e 19% têm 50 anos ou mais. Ao todo, 80% são das classes C, D e E, enquanto 20% são das classes A ou B.
A Dra. Kátia Valente, psiquiatra que atua no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP),afirma que os fatores que levaram ao aumento do público impactado são um reflexo da sociedade atual. “É uma combinação entre a facilidade de acesso com o smartphone na palma da mão, a velocidade de estímulo entre a aposta e a resposta, com a liberação mais intensa de dopamina, e a exposição às propagandas das plataformas, que é muito alta. Temos inúmeros anúncios em qualquer canal, e isso estimula muito as pessoas que têm o perfil de [risco para] dependência”, afirmou.
O universo dos jogos de azar não é novo — há décadas a sociedade convive com bingos, cassinos, jogo do bicho, entre outras variações. Contudo, a falta de regulamentação sobre apostas on-line, a divulgação massiva em meios de comunicação, em partidas de futebol e por influenciadores, e o fácil acesso ao jogo com um clique no celular fizeram com que a prática se tornasse uma epidemia no país.
Para Mirella Martins de Castro Mariani, psicóloga e coordenadora da equipe de terapia cognitivo-comportamental (TCC) para transtorno do jogo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (IPq/HCFMUSP), as consequências do vício em jogos como as apostas on-line são semelhantes às do transtorno por uso de substâncias, incluindo problemas financeiros, de relacionamento, de saúde mental e legais, mesmo não havendo dependência física envolvida.