Eduardo Martinho Junior, do IPq, fala sobre comportamentos agressivos em crianças em matéria do Jornal da USP. Confira!
O que leva crianças a adotarem comportamento agressivo dirigido a animais?
Especialistas explicam que tal comportamento, em muitos casos, pode estar ligado a questões de conflitos que essa criança está sofrendo, como se pedissem socorro
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Publicado: 28/11/2024 às 11:39
Por Davi Caldas*
Estudos indicam que entre 5% e 10% das crianças apresentam comportamentos que violam normas sociais – Foto: Freepik
Morte, sangue e crueldade. Isso é evidenciado em diversos filmes que retratam personagens psicopatas e, algumas vezes, esse cenário também é encontrado na vida real. Dessa forma, comportamentos agressivos em crianças têm gerado preocupações e estigmas, mas Eduardo Martinho Junior, coordenador do Ambulatório para o Desenvolvimento dos Relacionamentos e Emoções (Adre) do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, alerta que nem sempre esses comportamentos indicam transtornos graves, como a chamada “frieza emocional”.
Machucar e matar animais, por exemplo, é algo menos incomum do que o imaginado — principalmente em crianças. Segundo o psiquiatra, o primeiro passo para oferecer um tratamento eficaz é realizar um diagnóstico detalhado. “Comportamentos antagonistas de agressão, de danos à propriedade, de mentiras ou violação de regras, não necessariamente estão atrelados a uma frieza emocional. Em muitos casos, isso pode estar ligado a questões de conflitos que essa criança está sofrendo, como se pedissem socorro”, explica.
Mariana Vitória Hess, pesquisadora e mestre pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP, entende que existem muitos fatores entrelaçados para chegar a um comportamento considerado extremo ou brutal de maus-tratos. Além do ambiente familiar ou externo, em que pode haver algum tipo de violência e fazer a criança imitar esses comportamentos, ela comenta: “O primeiro fator a se levar em consideração é a idade da criança e a percepção que ela vai ter sobre o mundo,
principalmente a sua vida social e até mesmo a sua cognição social, entendendo se ela compreende o que é o outro, a empatia, a dor e até mesmo a morte”. Mariana Vitória Hess – Foto: BV – Fapesp
Ela explica que comportamentos, no geral, normalmente apresentam uma função, mesmo que não seja óbvia. Se não for olhado com cautela, não será possível entender essa função e substituir esse comportamento por algo mais funcional. “Se eu mexo muito a minha perna quando estou ansiosa, esse comportamento, apesar de poder ser irritante para algumas pessoas, tem uma função de regular minha ansiedade. Eu posso entender essa função e tentar buscar um novo comportamento mais adequado para regular minha ansiedade, como, por exemplo, uma respiração diafragmática. É claro que não é apenas isso que molda ou muda um comportamento e, no caso dos maus-tratos, pode ter uma relação com a negligência”, comenta.
Psicopatia
Rotular crianças de “psicopatas” é perigoso e contraproducente, alerta Martinho Junior. Ele enfatiza que o cérebro infantil é altamente plástico e que o comportamento de uma criança não define sua personalidade de forma permanente. “Esse rótulo dificulta o acesso a tratamento e cria um pacote fechado em que essa criança não consegue aprender habilidades que podem reverter esse quadro. Também dificulta o apoio para essa família e gera um estigma que vai, como se fosse uma profecia autorrealizável, cronificar esse quadro”, explica.
Segundo Martinho Júnior, entre 5% e 10% das crianças apresentam comportamentos que violam normas sociais. Conforme o especialista, esses casos variam desde atos isolados até padrões mais repetitivos. “Algumas crianças se sentem muito mal e depois simplesmente param de fazer. Outras, com vários comportamentos repetidos antagonistas, precisam fazer um tratamento mais intensivo”, esclarece.
O contexto também desempenha um papel crucial na avaliação. Em alguns casos, crianças projetam em animais os abusos e traumas que vivenciam, com angústia emocional intensa e pensamentos suicidas. Outras, com traços de frieza emocional, podem agir de forma cruel devido à sua percepção de poder sobre os animais. “Precisamos fazer uma avaliação individualizada. Um comportamento agressivo com o animal em si não é uma prova, quanto mais de que essa criança é uma psicopata”, afirma Martinho Junior. Eduardo Martinho Junior – Foto: Linkedin
O pesquisador ainda reforça que diagnósticos precoces e tratamentos bem direcionados podem reverter quadros graves. “Mesmo em crianças que têm uma frieza emocional, dependendo do tipo de intervenção, se for precocemente, no início da adolescência, muitas vezes a gente tem reversão desse quadro”, conclui.
Diagnóstico e tratamentos
O especialista ressalta que é fundamental considerar diagnósticos diferenciais antes de rotular uma criança. Situações traumáticas em casa ou em outros ambientes podem levar a manifestações de agressividade como um pedido de ajuda. Além disso, transtornos como o comportamento opositivo-desafiador ou déficit de atenção — no qual o indivíduo pode apresentar uma maior impulsividade — podem ser confundidos com transtorno de conduta.
Mesmo nos casos em que há sinais de frieza emocional há tratamentos disponíveis. Martinho Junior cita a eficácia da Terapia Comportamental Dialética (DBT) e da Terapia Baseada na Mentalização (MBT). “Essas abordagens ajudam a criança a regular as emoções dela. Trabalhamos com essa criança em estratégias de atenção plena e tentamos entender o contexto em que esses comportamentos aconteceram. Também fazemos um treino de habilidades com as famílias”, detalha.
Para crianças com frieza emocional grave, a MBT tem se mostrado especialmente promissora. Essa técnica auxilia a criança a refletir sobre seus estados mentais e compreender o impacto de suas ações no ambiente. “O objetivo é pensar em estratégias que possam ajudar essa criança a agir no ambiente dela de uma maneira mais efetiva, de modo que elas consigam o que querem sem usar métodos tipo a agressividade”, destaca.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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