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Fábio Salzano, do IPq, fala sobre anorexia nervosa em entrevista para a Revista Marie Claire. Confira!

Por

Marcella Centofanti

 em colaboração para Marie Claire — de São Paulo (SP)

 

Entre todos os transtornos psiquiátricos, nenhum mata tanto quanto a anorexia nervosa. De acordo com a Associação Mundial de Psiquiatria, cerca de 5% dos pacientes morrem nos quatro primeiros anos após o diagnóstico. O dado pode surpreender quem ainda acha que basta “voltar a comer” para resolver o problema. Na realidade, os impactos físicos e emocionais da doença são profundos e, muitas vezes, irreversíveis.

A doença afeta principalmente mulheres jovens, embora possa atingir também homens e pessoas de outras identidades de gênero. Muitas vezes, o quadro abre durante a adolescência e o início da vida adulta, fase em que a pressão estética e o risco de distorção da imagem corporal são especialmente altos.

O psiquiatra Fabio Tapia Salzano, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Ambulim), reforça: “Os pacientes apresentam desnutrição grave, com comprometimento do funcionamento cardíaco, pulmonar e hepático, além de uma alta taxa de suicídio”.

Segundo ele, quadros mais críticos são observados em pessoas com IMC abaixo de 15, o que aumenta a chance de complicações fatais, como arritmias e parada cardiorrespiratória.

Complicações cardiovasculares

Cerca de um terço das mortes por anorexia estão relacionadas a danos no coração. A perda extrema de peso e a desnutrição crônica comprometem o músculo cardíaco, que pode até encolher de tamanho. A válvula mitral entra em prolapso, a frequência cardíaca cai, e é comum o acúmulo de líquido no pericárdio, membrana que envolve o coração. Em muitos casos, surgem arritmias e insuficiência cardíaca.

Desequilíbrio hormonal e intestinal

A anorexia também compromete o sistema endócrino. Em mulheres, a menstruação pode cessar por meses ou nem sequer começar, se a doença surge na puberdade. “Isso pode interferir até na altura que a menina teria ao fim do desenvolvimento, já que o ciclo hormonal participa do crescimento”, apontaTomasini.

Também são frequentes quadros de hipotireoidismo, disfunção renal e queda severa de energia. Em níveis graves de desnutrição, o corpo entra em modo de economia absoluta, comprometendo o funcionamento de órgãos vitais.

No sistema digestivo, a alimentação insuficiente provoca lentidão no trânsito intestinal, gerando azia, empachamento, gases e constipação. Muitas pessoas recorrem a laxantes ou vômitos induzidos, o que causa erosões no esôfago, perda do esmalte dentário e, em casos graves, sangramentos gastrointestinais.

A perigosa síndrome de realimentação

Menos conhecida, mas potencialmente fatal, a síndrome de realimentação é um risco durante o tratamento. Quando um paciente gravemente desnutrido volta a comer sem supervisão adequada, o corpo não consegue processar a alta carga calórica. O sistema cardiovascular, já fragilizado, entra em colapso. “Se o coração está atrofiado e o metabolismo desregulado, ele pode simplesmente não suportar a reintrodução rápida de nutrientes”, alerta Tomasini.

Salzano explica que alterações dos níveis de fósforo e potássio no sangue são sinais clínicos preocupantes, assim como enzimas hepáticas alteradas e bradicardia (quando o coração bate menos de 60 vezes por minuto). A recuperação deve ser feita com supervisão profissional, de forma gradual e cuidadosa.

O risco de suicídio

Além dos danos físicos, a anorexia aumenta significativamente o risco de suicídio. Uma pesquisa dinamarquesa publicada no periódico International Journal of Eating Disorders acompanhou mais de 14 mil pacientes com anorexia nervosa entre 1977 e 2018 e constatou que 13,9% de todas as mortes nesse grupo foram causadas por suicídio. A presença de depressão, ansiedade e isolamento social agrava o risco.

A vida que se apaga aos poucos

Na imagem coletiva, alguém com anorexia é visto como alguém que só precisa voltar a comer. Mas a doença é muito mais complexa. “Não é só sobre comida ou corpo. É sobre o afastamento da própria vida. A vida se torna um transtorno”, explica a psicóloga.

Por isso, Tomasini defende que o combate à doença comece muito antes do diagnóstico, com ações de prevenção que abordem a relação das pessoas com seus corpos, com a comida e com os padrões estéticos impostos pela sociedade. “Falar apenas dos sintomas não basta. Precisamos ensinar as pessoas a questionarem a cultura que as adoece”, diz.

Sinais de alerta

Salzano enumera sinais de alerta que merecem atenção:

– Fazer dieta sem orientação de profissional da saúde, principalmente se o peso está na faixa da normalidade;
– Evitar comer na frente de outras pessoas;
– Usar roupas largas para esconder o corpo e disfarçar a perda de peso;
– Recusar convites que envolvam comida;
– Consumir conteúdos de redes sociais que incentivam métodos não seguros para emagrecimento.

Tratamento para anorexia nervosa

Uma equipe multidisciplinar, incluindo psiquiatra, nutricionista e psicólogo, de preferência especializados no tema, deve cuidar de uma pessoa com anorexia nervosa. Enquanto o médico avalia as condições clínicas e comorbidades, o nutricionista orienta a reintrodução alimentar e o psicólogo trabalha com os comportamentos e pensamentos disfuncionais.

Segundo Salzano, não há um medicamento específico para tratar o medo de engordar ou a distorção da imagem corporal. Antidepressivos podem ser indicados apenas quando há comorbidades, como depressão ou ansiedade.

— Fabio Tapia Salzano, psiquiatra

A anorexia nervosa costuma ter um prognóstico pior do que a bulimia e a compulsão alimentar. Segundo Salzano, 46% dos pacientes alcançam recuperação completa, enquanto 34% têm melhora parcial e 20% seguem com sintomas crônicos. Nas demais formas de transtorno alimentar, as taxas de recuperação completa variam de 53% a 70%.

Quanto antes o tratamento for iniciado, maiores as chances de reversão do quadro. Avaliar o conteúdo consumido nas redes sociais também pode ser uma estratégia de cuidado.

Fonte : https://revistamarieclaire.globo.com/saude/noticia/2025/05/nao-e-depressao-nem-abuso-de-substancias-o-transtorno-psiquiatrico-que-mais-mata-atinge-principalmente-mulheres.ghtml