Rodrigo Machado, do IPq, fala sobre métodos que podem auxiliar na redução do uso excessivo do celular, em entrevista ao Estadão. Confira!
Terapia de choque: por que você precisa de um método extremo para sair do celular
Medidas drásticas para reduzir o uso excessivo de smartphones são cada vez mais comuns entre usuários
Gabriel Camargo Caldini, 26, é uma das pessoas que precisou de uma mudança radical para sair do celular. O estudante chegava a passar de 10 horas no aparelho por dia, entre vídeos no YouTube, Instagram e outros aplicativos. No caso dele, a solução foi trocar um iPhone 15 por um celular sem acesso a aplicativos, um modelo Positivo P28, que custa R$ 170.
“Percebi que precisava fazer uma mudança radical quando certas atividades que sempre me proporcionaram lazer já não capturavam a minha atenção tanto quanto um vídeo no YouTube ou um reel do Instagram. Quando eu percebi que uma manhã de leitura ou uma tarde no parque viraram um dia inteiro no celular, soube que algo precisava mudar”, afirma Caldini.
Amanda Pavilião Paulilo, 23, também enfrentava problemas com o tempo que passava na internet do celular e adotou um comportamento considerado incomum para seus amigos. Para ela, a escolha foi ficar um ano e meio sem qualquer rede social para cortar o hábito.
“Tive uma mudança drástica. Em 2020, eu cortei todas as minhas redes sociais, apaguei todas as contas: Twitter, Tumblr, Pinterest. O único app que eu tinha nessa época era o WhatsApp, porque os meus pais falaram: ‘pelo amor de Deus, eu preciso ter contato com você’”, afirmou Amanda.
Esses métodos podem parecer mais extremos do que simplesmente policiar o tempo gasto nas redes sociais ou mesmo se obrigar a fazer outras atividades que não exijam o telefone, mas, de acordo com especialistas, têm sido cada vez mais comuns – e necessários – para quem identifica um problema em relação ao tempo de tela.
“Todos nós atualmente somos meio abusadores de internet. Todo mundo passa muito tempo rolando pela tela, vendo mensagem. E quando todo mundo tá assim, nesse lugar do exagero, você perde contraste. Você está muito mais disfuncional para perceber. Então o supranormal, o patológico, ele fica mais longe e mais extremo”, explica o professor Aderbal de Castro Vieira Júnior, da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp).
Aplicativos
O aplicativo Touch Grass é um resultado da necessidade mais radical de acabar com o vício em redes sociais. Ele funciona como um app comum de bloqueio, mas o método para desbloquear uma plataforma é um tanto diferente. Para usar o app é preciso que o usuário tire uma foto tocando um pedaço de grama. Pode ser de um jardim, um parque ou qualquer canteiro que tenha um “matinho”, mas o importante é sair de casa e ter contato com a natureza.
E não adianta tentar burlar: o app usa uma inteligência artificial (IA) para identificar o que é grama e o que o usuário pode tentar usar como substituto. Um vaso de planta, por exemplo, não é suficiente para desbloquear as redes sociais. O app foi inspirado na experiência de seu próprio criador, que percebeu que estratégias tradicionais já não funcionavam mais.
“Criei o aplicativo para mim – eu estava tão cansado de me levantar e meu reflexo ser pegar meu telefone e passar algumas horas navegando antes de começar meu dia”, afirma Rhys Kentish, fundador da Touch Grass, ao Estadão. “Eu o criei para me forçar a sair de casa”. A sacada é boa, afinal: qual é a chance de alguém ter grama dentro de casa?
Disponível apenas para iPhone, o app acumula resenhas de usuários satisfeitos com a proposta e cerca de 75 mil downloads na App Store.
Outros apps têm restrições mais simples, como o Opal e o OneSec. Eles permitem que o usuário estabeleça um tempo limite para o uso da rede social por dia. Depois disso, eles bloqueiam o serviço. Até é possível aguardar um tempo e cumprir algumas tarefas para ganhar mais minutos de uso, mas os apps relembram, a cada vez que você tenta entrar em alguma plataforma, quantas tentativas foram feitas e exibe mensagens motivacionais para te fazer desistir de “furar” o bloqueio.
Métodos mais lúdicos também podem ter efeito para ajudar na hora de superar a necessidade do celular. Alguns aplicativos usam o mesmo mecanismo que é o responsável pela quantidade de horas que facilmente perdemos nas redes sociais: o da recompensa. É a engrenagem que libera hormônios do prazer quando vemos algo que gostamos, como a dopamina.
O app Forest, por exemplo, faz com que o usuário estimule essa satisfação cultivando uma árvore a cada minuto que passa sem usar o celular. Quanto mais tempo fora dos aplicativos, mais a árvore cresce. Para Rodrigo Machado, psiquiatra do Programa de Transtornos do Impulso do IPq – Instituto de Psiquiatria do HC, esse método é interessante para quem precisa de um estímulo a mais para se motivar a ficar sem o aparelho.
“Ele brinca com os mesmos mecanismos de reforço de gratificação para o cérebro, que é saber que eu estou cumprindo um objetivo, superando uma barreira, porque a minha arvorezinha está crescendo. Então é mesmo estímulo que aplicativos como o Instagram, por exemplo, trazem, só que para usar menos (as plataformas)”, afirmou.
A tradutora Maria das Graças de Quadros, 30, usa o recurso há alguns anos e considera que foi um aliado para ganhar mais tempo na “vida real”. A ideia começou quando ela precisava de mais concentração para estudar, mas foi adotada de vez depois que Maria percebeu os benefícios de passar menos tempo na tela.
“É como se eu desligasse o celular. Na tela bloqueada você vê quanto tempo falta para terminar seu timer. Eu acho legal porque muitas vezes eu pegaria o celular para perder tempo e não pra fazer algo de fato que eu precise”, explicou Maria.
Todas essas técnicas podem funcionar como um tempo de reflexão entre a ansiedade de usar um aplicativo e seguir um plano de detox digital. Isso porque o tempo entre abrir o aplicativo, fazer alguma atividade que permita ganhar minutos de uso e o acesso à plataforma, o usuário consegue refletir se aquele movimento é realmente necessário.
Novas gerações buscam ajuda para sair do celular
A média de idade das pessoas que buscam ajuda para sair do celular – em geral, adolescentes e jovens adultos – não é uma coincidência. Um estudo do Pew Research Center destacou que 48% dos jovens americanos entre 13 e 17 anos acreditam que as redes sociais prejudicam a saúde mental. Entre os participantes, 44% já admitiram tentar alguma técnica para diminuir o tempo gasto no celular.
A busca por aproveitar melhor o dia fora dos celulares virou até trend no TikTok – por mais irônico que pareça. A hashtag #screentime (tempo de tela, em inglês) já tem quase 112 mil publicações e reúne relatos de pessoas que cortaram aplicativos e dicas de como passar menos tempo no celular e o que fazer para substituir o hábito de rolar o feed. Para Amanda, essa é uma tendência que ela identifica ser da geração Z.
“Eu acho que é algo muito da minha geração também, a gente tentar ser radical. Ou é tudo ou é nada. Ou você fica muito tempo no celular ou exclui de vez. Ou dorme muito ou acorda às seis da manhã. É sempre muito”, aponta a estudante.
Para os especialistas, o importante é descobrir um método que possa motivar e ser efetivo para diminuir o tempo de tela assim que o problema for identificado. A terapia de choque pode não ser o melhor método para todos mas, em última instância, é um exercício que pode valer a pena – e ser necessário para recuperar horas valiosas do dia.
“Acho que, no momento, são necessários métodos mais inovadores de bloqueio de aplicativos. Eu já havia tentado o tempo de tela e os outros grandes players no cenário de bloqueio de aplicativos, mas nada funcionou. Então, criei minha própria solução”, afirma Kentish, do Touch Grass.
Caldini concorda com o criador do Touch Grass. “Depois de alguns excessos que quase comprometeram partes importantes da minha vida, caí na real que precisava de algo radical, um tratamento de choque para mudar a minha relação com a tecnologia e retomar certa autonomia que havia perdido”.