Monicke de Oliveira Lima, do IPq, fala sobre genética do TOC, em entrevista ao Jornal da USP.
Tiques, manias, acumulação: estudo inédito busca voluntários para entender a genética do TOC nos brasileiros
Pesquisa liderada pelo Instituto de Psiquiatria da USP busca contribuir para diagnósticos mais assertivos e tratamentos mais precisos e personalizados; podem participar pessoas entre 4 e 89 anos com sintomas ou diagnóstico de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e transtornos associados
Um estudo pioneiro, liderado pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, quer compreender os mecanismos genéticos associados ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) na população brasileira. Para isso, está recrutando pessoas entre entre 4 e 89 anos, nascidas no Brasil ou em outro país da América Latina, com sintomas ou diagnóstico de TOC, transtorno de acumulação, transtorno dismórfico corporal, transtorno de escoriação, tricotilomania, tiques ou síndrome de Tourette. A participação é simples e rápida: uma entrevista será realizada por um profissional da saúde e, em seguida, será feita a coleta de saliva em um dos centros do estudo ou realizada a distância. Os interessados, de qualquer parte do Brasil, devem fazer a inscrição pelo WhatsApp (11) 94027-3459, mesmo canal para dúvidas, ou pelo e-mail cappilab@gmail.com. Mais informações também estão disponíveis no Instagram: @somosgentoc.
“Ao analisar estudos genômicos na psiquiatria conduzidos globalmente, percebemos que a população europeia domina a maioria das amostras. Somos o primeiro grupo que se propôs a estudar a genética do TOC e transtornos relacionados na população brasileira, um campo ainda pouco explorado no País e uma população sub-representada em pesquisas internacionais”, explica Monicke de Oliveira Lima, psicóloga, doutoranda do IPq e coordenadora clínica do gen_TOC, grupo que além do IPq conta com a coparticipação de diversas universidades federais em todo o Brasil.
Liderado pelos professores Euripedes Constantino Miguel e Carolina Cappi, ambos do Programa Transtorno do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc), grupo de pesquisa científica do IPq, o projeto gen_TOC foi idealizado com o propósito de incluir a população brasileira com TOC e transtornos relacionados nos estudos genômicos, abrangendo também seus familiares.
“Essa iniciativa, que une pesquisadores em diferentes estados do Brasil, tem o potencial de gerar avanços significativos para a sociedade, desde uma compreensão mais profunda dos fatores genéticos envolvidos no transtorno até o esclarecimento dos mecanismos biológicos, ambientais e sociais envolvidos no desenvolvimento da doença”, destaca Monicke. Ela acredita que os resultados podem contribuir para diagnósticos mais assertivos e para o desenvolvimento de tratamentos mais precisos e personalizados.
Como reconhecer se eu ou alguém que conheço tem transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
O TOC caracteriza-se por obsessões (pensamentos intrusivos e recorrentes) e compulsões (comportamentos repetitivos e ritualizados para aliviar a ansiedade). Exemplos comuns podem envolver medo de contaminação, preocupação excessiva com violência, moralidade, religião e sexo, necessidade de simetria e organização. Para caracterizar o diagnóstico, é preciso que os sintomas ocupem ao menos 1h por dia e causem interferência significativa na vida cotidiana e sofrimento/incômodo.
Transtorno dismórfico corporal
Preocupação excessiva com falhas percebidas na aparência, muitas vezes inexistentes ou mínimas, levando a comportamentos repetitivos, como verificar espelhos, esconder partes do corpo, realizar procedimentos estéticos exagerados, entre outros.
Transtorno de acumulação
Dificuldade extrema em descartar objetos, independentemente do valor, resultando em acúmulo excessivo e desorganização, que comprometem o uso do espaço físico e a vida cotidiana.
Transtorno de escoriação
Necessidade de cutucar, beliscar ou arrancar a pele, resultando em feridas ou lesões. A pessoa não é capaz de parar com o comportamento voluntariamente. Causa sofrimento e impacto na vida cotidiana.
Tricotilomania
Impulso irresistível de arrancar fios de cabelo ou pelos do corpo, podendo causar falhas visíveis e sofrimento significativo. A pessoa não é capaz de parar com o comportamento voluntariamente.
Transtorno de tiques
(Motor ou vocal, transitório ou persistente): Necessidade involuntária de realizar movimentos corporais (como mexer os braços, pernas, piscar, etc.) ou emitir sons repetitivos (estalos de língua, assobios, palavras, xingamentos, etc.), podendo ser transitórios, isto é, durando menos de 1 ano, ou persistentes, por mais de 1 ano.
Síndrome de Tourette
Forma mais complexa do transtorno de tiques, caracterizada por múltiplos tiques, tanto motores quanto vocais, que persistem por mais de um ano e se iniciam na infância ou adolescência.
Quem pode participar do estudo?
Pessoas entre 4 e 89 anos com sintomas ou diagnóstico de TOC, transtorno de acumulação, transtorno dismórfico corporal, transtorno de escoriação, tricotilomania, tiques ou síndrome de Tourette, nascidas no Brasil ou outro país da América Latina.
Familiares de primeiro grau (pai, mãe e irmãos), independente de apresentarem sintomas, também estão convidados a participar. Pessoas que apresentavam sintomas no passado, mas não apresentam atualmente também são elegíveis.
Como funciona a participação?
A participação consiste em uma coleta de material biológico (saliva) e uma entrevista clínica para avaliação dos sintomas, sendo possível realizar presencialmente em um dos centros ativos ou a distância. É por meio da saliva que é possível ter acesso ao DNA para investigar as variações no genoma.
Não é necessário diagnóstico prévio, todos os interessados passam por triagem telefônica.
Para participar da pesquisa ou tirar dúvidas, basta enviar uma mensagem pelo WhatsApp: (11) 94027-3459, Instagram: @somosgentoc ou por e-mail: cappilab@gmail.com.
Conscientização sobre o transtorno
A pesquisa do gen_TOC foi idealizada com base nos recursos e na organização do Consórcio Brasileiro de Pesquisa sobre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, um grupo de pesquisadores que, entre meados dos anos 2000 e 2010, realizou um estudo em sete centros universitários, recrutando 1.000 indivíduos com TOC. Atualmente, são vários os centros participantes do estudo, e cada um conta com sua equipe de entrevistadores e coordenadores regionais, composta por estudantes de graduação, mestrandos, doutorandos e profissionais das áreas de Psicologia, Psiquiatria, Enfermagem, Ciências Biológicas e afins.
A pesquisa conta também com a colaboração da Baylor College of Medicine, liderada por Eric Storch, e da University of North Carolina, chefiada por James Crowley. Ambos estão conduzindo o projeto Latin American Trans-ancestry Initiative for OCD Genomics (Latino), que visa identificar as bases genéticas do TOC em pacientes de diversos países da América Latina. Além disso, a Icahn School of Medicine at Mount Sinai está conduzindo o estudo Genomics of OCD in Latin American Communities, cuja pesquisadora principal é Carolina Cappi, líder do gen_TOC, com foco na investigação genética de famílias com TOC no Brasil.
De acordo com Monicke, ambos os projetos são financiados pelo National Institute of Mental Health, dos Estados Unidos, e essas colaborações representam um avanço na compreensão das bases genéticas do TOC e no fortalecimento da pesquisa psiquiátrica na América Latina.
Além de divulgar a pesquisa e buscar voluntários, o grupo tem atuado na redução do estigma associado aos transtornos psiquiátricos, disseminando conhecimento em palestras e nas redes sociais para ampliar o entendimento sobre essas condições. “Acreditamos que, ao evidenciar as bases biológicas do risco para esses transtornos, promovemos maior conscientização e contribuímos para o combate ao preconceito, transformando o conhecimento científico em benefícios concretos para as futuras gerações”, diz Monicke.
“Nosso trabalho nas redes sociais tem como propósito disseminar informações científicas, desmistificar conceitos equivocados e, principalmente, auxiliar na identificação dos sintomas, incentivando a busca por tratamento precoce. Temos percebido que essa psicoeducação vem cumprindo um papel fundamental”, diz a coordenadora clínica. Com isso, a equipe responde diariamente a dúvidas, recebe relatos de casos complexos, indica materiais educativos, como livros e filmes, e busca aproximar pacientes e profissionais de saúde. “Acreditamos que, quanto mais falamos sobre o TOC de forma acessível e embasada, maiores são as chances de reduzir o estigma e de ampliar o acesso ao diagnóstico e às intervenções adequadas”, conclui.
Acesso à informação com base científica
De acordo com a pesquisadora, ainda faltam muitas informações sobre o TOC, tanto na sociedade em geral quanto entre profissionais da saúde. “O transtorno ainda é cercado por estigmas e equívocos, como a ideia de que se resume a uma simples mania de limpeza ou organização, além da recente banalização dos pensamentos intrusivos em memes”, explica, destacando que o TOC é uma condição complexa, com manifestações variadas, capaz de impactar profundamente a vida dos pacientes e de seus familiares.
“Muitos conteúdos obsessivos envolvem temas considerados tabus, como sexo e violência, o que faz com que pacientes levem anos para buscar ajuda, por medo de serem mal interpretados ou julgados. Como se trata de um transtorno crônico, reforçamos constantemente a importância de um tratamento adequado, para que a pessoa possa lidar melhor com os sintomas, minimizando seus impactos na vida diária”, ressalta Monicke.
A genética, por sua vez, é um tema ainda pouco explorado e que continua gerando receio. Conforme explica a pesquisadora, questões como herdabilidade, genes e risco genético desempenham um papel fundamental no desenvolvimento de diversos transtornos psiquiátricos, e isso não é diferente com o TOC. Estudos indicam que o transtorno possui um componente genético, com diversas variações genéticas associadas, além de uma interação com fatores ambientais.



Grupo explica nas redes sobre a necessidade de mais estudos sobre o TOC e a importância da pesquisa que realizam – Instagram/@somosgentoc
“Tentamos abordar esses aspectos de uma forma acessível, para desmistificar equívocos, sanar curiosidades e reduzir o estigma que muitas vezes acompanha discussões sobre predisposição genética. Nosso propósito também inclui traduzir os dados científicos para uma linguagem que se conecte com a realidade da população. A maior parte das pesquisas mais avançadas estão publicadas em inglês e em linguagem técnica, o que dificulta o acesso da sociedade a informações essenciais sobre o TOC”, diz Monicke. Para ela, a ideia é diminuir esse distanciamento entre a ciência e a sociedade, ajudando a contribuir para um entendimento mais abrangente da doença e para a redução de estigmas e barreiras no tratamento.
Entre as universidades participantes do estudo, além da USP, também estão a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Hospital Governador Israel Pinheiro (IPSEMG), Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O estudo ainda tem parceria com a Associação Solidária do TOC e Síndrome de Tourette (Astoc) e Associação de familiares, amigos e pessoas com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e Síndrome de Tourette do Rio de Janeiro (Riostoc), além de consultórios parceiros.
Para participar da pesquisa ou tirar dúvidas, basta enviar uma mensagem pelo WhatsApp: (11) 94027-3459, Instagram: @somosgentoc ou por e-mail: cappilab@gmail.com.
Acompanhe as informações sobre TOC pelo Instagram do grupo gen_TOC neste link