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O psiquiatra Táki Cordás e a psicóloga Dora Goes, do IPq, em matéria do Viva Bem UOL.

“breakdown” do rapper americano Kanye West movimentou as redes sociais nos últimos meses. “A Kim está tentando me internar. Todo mundo sabe que o filme ‘Corra’ é sobre mim”, tuitou o músico. Dias depois, ele veio a público para se desculpar com a mulher. Kanye estava passando por uma crise maníaca de bipolaridade quando fez o post atacando Kim Kardashian.

No caso do cantor americano, o diagnóstico do transtorno afetivo bipolar veio antes de a pandemia começar. Mas a crise se manifestou no final de julho, durante o isolamento. E ele não foi o único a “surtar” nessa quarentena. A OMS (Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou, ainda em maio de 2020, sobre os efeitos da pandemia na saúde mental das pessoas. A solidão, o luto, a perda de renda e outros fatores do momento em que vivemos já são encarados como gatilhos para que milhões de indivíduos desencadeiem algum transtorno psicológico, como depressão, ansiedade, alcoolismo e bipolaridade.

O surto do popstar hollywoodiano provavelmente foi só um entre milhares, mas serviu para alertar ainda mais sobre os cuidados que devemos ter na pandemia com quem já lidava com algum transtorno mental. Com milhões trancados em casa, conectados aos celulares durante horas do dia, o descontrole se manifesta em sinais simples, mas às vezes complexos de identificar.

Tá todo mundo surtando, mas isso não é brincadeira

Com um scrolldown na timeline da sua rede social favorita não é difícil encontrar relatos de pessoas falando do impacto do isolamento na própria saúde mental. Tem gente até se “autodiagnosticando” com depressão, ansiedade, bipolaridade —mas ser portador de um transtorno mental não é brincadeira e o assunto deve ser tratado com um médico, não com um post nos Stories.

A bipolaridade ainda é uma doença mal compreendida pela sociedade. Muitos entendem como um transtorno em que o indivíduo oscila de estado e vai da felicidade à tristeza em questões de segundos. A característica mais marcante da doença é, sim, a alternância de episódios de depressão com os de euforia, mas os quadros são bem mais complexos do que uma simples variação de humor. O bipolar pode levar anos para ser diagnosticado, justamente por apresentar quadros eufóricos apenas durante determinado período da vida.

No bipolar há fases de depressão intercaladas com fases de euforia —mas não a euforia em um estado agradável. “É um estado de aceleração, inquietação, logorreia (quando se fala muito), extrema irritabilidade, de se sentir extremamente energizado, de pouco sono e de sensação de grande energia”, explica Táki Cordas, coordenador da assistência clínica de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

O transtorno faz, por exemplo, com que o indivíduo comece uma atividade e não a termine. Ele vai para uma, vai para outra, tal o grau de aceleração. “A pessoa está eufórica, mas, quando contrariada, se sente extremamente irritada”, diz Cordas.

Pandemia aumenta a preocupação

O chefe do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Jair de Jesus Mari, alerta que nesse momento de pandemia devemos nos preocupar ainda mais com bipolares, pois eles têm mais dificuldade de aderir aos protocolos de prevenção da covid-19, como manter o distanciamento social e usar máscara.

“Além disso, os bipolares podem ser mais solitários e têm maior propensão à depressão ou a entrar em uma crise de euforia —fazer uso de drogas, ter dificuldade para dar vasão à afetividade ou à própria sexualidade. Também preocupa o comprometimento dos pacientes com o tratamento. Muitas pessoas reduziram ou alteraram o contato com o médico nos últimos meses”, diz Mari.

Os especialistas alertam que agora, durante a pandemia, é muito importante ficar atento ao comportamento online dos bipolares e à superexposição nas redes sociais, pois a internet se transformou no principal meio de exposição de uma crise. Kanye West, por exemplo, poucos dias antes de publicar ofensas à mulher, chegou a tuitar que concorreria à presidência dos Estados Unidos —o que pode ter sido a demonstração de um momento de euforia.

“Nos últimos meses, recebi várias mensagens no meu Instagram de gente em quadro delirante, dizendo que está sendo perseguido pelo exército, por extraterrestres. Quando alguém está em depressão ou em mania, a pessoa pode usar as redes sociais para se expressar”, alerta Cordas.

Comportamentos online que merecem atenção

Nas redes sociais

Pacientes com transtorno afetivo bipolar podem expor informações particulares e privadas durante crises maníacas. A internet, principalmente as redes sociais, aumenta o alcance dessas informações. Fora isso, muito do que se é falado tende a ser fantasioso, o que pode prejudicar a pessoa. Sem controle sobre si mesmo, não é incomum que bipolares se envolvam em discussões e brigas onlines, sem saber a hora de desligar.

Em apps de relacionamento

A hipersexualidade é um dos sintomas da crise maníaca do bipolar –ou seja, a pessoa sente um desejo sexual incontrolável. Com todos trancados em casa e o uso intensificado da internet, apps de relacionamento se tornaram o principal canal usado por bipolares para encontrar novos parceiros, o que é perigoso pois facilita (ainda mais) a exposição do paciente a um maior número de pessoas e também ao coronavírus.

Em sites de compras

Outro sintoma do surto maníaco que merece atenção é o excesso de gastos. Não estamos falando de um simples descontrole financeiro. Muitas vezes, bipolares em crise assumem dívidas e empréstimos fora do próprio orçamento, e revendem/repassam posses por preços abaixo do sugerido. Durante a pandemia, esse sintoma pode se manifestar no excesso de compras online, uma vez que a maioria do comércio ainda enfrenta restrições de segurança.

Onde está o apoio?

É só digitar o termo bipolaridade no campo de pesquisa do Google para encontrar vídeos de Júlia Jolie sobre o assunto. Quando a influencer começou a criar coisas para o Youtube, há nove anos, a maioria do seu conteúdo era sobre ciência, dicas para aprender inglês e política. De quatro anos para cá, porém, o tom e as mensagens propagadas pelo canal mudaram.

Aos 25, a youtuber recebeu o diagnóstico de bipolaridade. Isolada em casa, ela conta que teve uma crise maníaca depois de três meses de pandemia. “Não foi um único fator que desencadeou tudo. Foram vários, eu fiz até uma lista de gatilhos. E tinha mais de dez. É uma combinação de coisas que vão acontecendo, por exemplo, meu orientador morreu. Aí teve a pandemia. Aí briguei com o ex. As coisas vão se somando, nunca é uma única causa.”

Mesmo sem abandonar o tratamento e com a medicação em dia, Júlia não conseguiu contornar a situação. “O primeiro sintoma foi a falta de sono. Aí, comecei a falar mais, ficar mais agitada e avisei minha mãe. Demorou umas duas semanas para eu entrar em mania”, conta.

Ela, que já foi internada em clínicas psiquiátricas por duas vezes, preferiu ficar em casa dessa vez. O psiquiatra Jair Mari explica que, quando o paciente não oferece risco à própria saúde ou a de terceiros, é possível controlar uma crise maníaca à distância. “A internação é para último caso. O médico pode fazer o acompanhamento remoto, instruindo a família e passando orientações via telefone.”

“Aceitar a doença contribui para o tratamento. Quando a pessoa aceita o transtorno e entende que precisa se cuidar, muitas vezes ela consegue pedir ajuda antes que o caso piore”Jair Mari, psiquiatra

Foi o que aconteceu com Júlia na última crise: “Eu reconheci primeiro que tinha algo estranho dentro de mim. Se a pessoa tiver um bom autoconhecimento, que no meu caso adquiri principalmente com terapia psicológica, ela consegue reparar antes de entrar em crise”

Gabriella Rodrigues, 27, engenheira civil diagnosticada com bipolaridade há um ano e meio, também entende que o autoconhecimento é imprescindível para quem tem o transtorno. “É importante você se entender para perceber quando não está normal e tentar controlar uma crise”. Ela relata que também chegou perto de um surto maníaco durante a pandemia. “Me senti vulnerável porque o esporte era uma válvula de escape para mim. A falta de contato físico com outras pessoas também me prejudicou bastante”, conta. Para piorar, as crises familiares aumentaram, dificultando o convívio em casa.

Gabriella revela que, mais de uma vez, pensou em se matar por medo do coronavírus. “Comecei a ter crises de ansiedade de madrugada. Preferia morrer do que correr o risco de contaminar minha avó, que passou a morar comigo na pandemia.”

Cordas chama a atenção para o papel dos parentes e de um lar saudável para a saúde dos bipolares. “É importante que a família incentive a realização de atividade física e a criação de uma rotina com horário definido para dormir. Também é fundamental que os atritos dentro de casa diminuam, porque relações disruptivas e tóxicas dentro do lar, ainda mais durante uma quarentena, aumentam os riscos da doença.”

Internet: um inimigo difícil de controlar

Como já explicamos, é comum que a pessoa com transtorno afetivo bipolar mude o comportamento online perto de ter uma crise. Foi o que ocorreu com Gabriella: “Fiquei muito comunicativa nas redes, estava postando muito”. Já Júlia chegou a compartilhar alguns vídeos em estado maníaco no seu canal do Youtube. Recentemente, afastou-se das redes e apagou aplicativos do celular.

“Ao meu ver, a internet potencializa os padrões que você dá a ela. Se você está paranoico, por exemplo, vai usar a rede para te alimentar disso. Você não repara que é um padrão de algoritmos do Google, do Facebook, que te entregam certo conteúdo que pesquisou, e aí acha que tem algo te perseguindo. É o que a internet faz: vai vendo o seu padrão e vai dando mais daquele mesmo padrão para você ficar ali, fissurado naquilo”, diz Júlia

É fato que, na contramão da crise econômica e do desemprego, as lojas digitais faturam como nunca. De acordo com o relatório Setores do E-commerce no Brasil, o comércio eletrônico bateu mais um recorde em julho, com um crescimento de 25% se comparado ao ano anterior. A facilidade do processo de compra online é mais um risco para bipolares.

Para Júlia, o afastamento da internet evita que ela faça compras exageradas –e aqui não estamos falando de investimentos em produtos de skin care ou gastos com qualquer outra tendência do isolamento. Muitas vezes são compras que a pessoa não tem condições de bancar. “Dessa vez não tive problemas com gastar muito, nem fiz viagens loucas, impulsivas, mas no passado isso já aconteceu”, relata a influencer.

O canal da youtuber tem 375 mil inscritos e ela sabe muito bem o que é lidar com críticas. A carioca vê com receio grupos de Facebook ou de WhatsApp sobre bipolaridade. Em sua opinião, pessoas em fase depressiva ou maníaca podem se expor demais nas redes sociais. A reportagem entrou em dois grupos de Facebook sobre o tema e em um grupo do WhatsApp.

No aplicativo de mensagens, o grupo constantemente chegava a 200 mensagens em menos de dez minutos. No Facebook, encontramos muitos relatos pessoais, tinha até gente assumindo casos extraconjugais para estranhos. Também vimos avisos sobre crises depressivas e pedidos de socorro suicidas, além da troca de informações sobre remédios, o que é desaconselhado por médicos.

É certo que esses ambientes podem servir de rede de apoio para muitos, mas Júlia aponta para alguns problemas. “Tem gente que entra nesses grupos só para tirar print e para enviar relatos dessas pessoas para terceiros. Então, tem um monte de paciente vulnerável, falando de tudo sobre a própria vida. Para mim, uma pessoa em crise é tão vulnerável quanto uma criança”.

O psiquiatra Jair Mari afirma que não é nenhuma novidade que as redes sociais possam causar problemas ou ser gatilhos para pessoas com problemas psicológicos, mas ressalta que não existe uma regra geral de como pacientes com bipolaridade devem se portar na internet. “É preciso analisar caso a caso para entender qual recomendação a pessoa tem que seguir”, diz. Ele fala também sobre a importância de ouvir e dar espaço para o paciente. “Pessoas em mania vão ter problemas comportamentais, mas não é papel do psiquiatra julgar.”

6 atitudes que ajudam a evitar (ou controlar) crises

  • Praticar exercícios físicos

    O treino regular ajuda no controle do cortisol (o hormônio do estresse) e na liberação de serotonina (neurotransmissor responsável pela felicidade e bem-estar) e de endorfina (que regula as funções do sistema nervoso). Além disso, atividades físicas ajudam no relaxamento do corpo, melhoram a qualidade do sono e aumentam a disposição.

  • Ter um hobby

    Encontrar algum hábito pode ajudar o paciente a preservar a saúde mental. Manter um hobby, como jardinagem, marcenaria ou pintura, é importante para que as pessoas aliviem a tensão do dia a dia e também para que elas fiquem focadas em fazer uma atividade do próprio interesse, tornando parte da rotina o ato de cuidar de si mesmo.

  • Ler

    Já foi cientificamente comprovado por um estudo da Universidade de Sussex que ler por apenas seis minutos é o suficiente para reduzir o nível de estresse em até 68%. “Não importa qual é o livro, apenas o processo de escapar das preocupações do mundo cotidiano já é uma forma de relaxar”, diz o neuropsicólogo responsável pela pesquisa, David Lewis.

  • Contato com amigos

    Mesmo com o isolamento social, ainda dá para conversar, rir, chorar, ouvir e falar com um amigo por meio de aplicativos de conversa ou por vídeochamada. Ter contato com mais pessoas serve para a diminuição da ansiedade e também para que o indivíduo pratique a empatia e receba afeto durante períodos turbulentos.

  • Ouvir música

    A música age diretamente no neocórtex cerebral e, por conta de características rítmicas, pode acalmar e reduzir a impulsividade de quem a escuta. Pensando nisso, criamos uma playlist (acesse no link “leia mais”, abaixo) com diferentes músicos e artistas diagnosticados com bipolaridade. O objetivo é desmisitificar os tabus ao redor da doença e ajudar no tratamento.

    leia mais
  • Meditar

    Muito mais do que uma atividade que controla os níveis de hormônio relacionado ao estresse, a meditação é uma prática que aumenta a concentração, diminui a ansiedade e auxilia o paciente a focar no presente. Assim como qualquer outra prática, porém, ela exige dedicação e os resultados não surgem no curto prazo.

“Quarta onda” da pandemia

Números divulgados pela Abrata (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores Afetivos) apontam a existência de cerca de 140 milhões de pessoas com transtorno bipolar no mundo. Outro dado preocupante indica que 50% dos portadores da doença tentam o suicídio ao menos uma vez na vida, sendo que 15% desses não sobrevivem. Médicos e organizações de saúde acreditam que esses números vão aumentar por causa da pandemia.

Nós, psiquiatras, falamos sobre uma quarta onda da pandemia. A primeira é a própria pandemia. A segunda é a superlotação dos sistemas de saúde. A terceira atingirá um monte de gente que tem doenças físicas e não está indo agora ao hospital se tratar. E a quarta será a pandemia de saúde mental, pois muitos hospitais psiquiátricos estão sendo fechados para se transformar em covidários, muitos psiquiatras mais experientes estão saindo da linha de frente, muita gente está parando de tomar remédio ou ficando em casa em situações de conflito doméstico”Táki Cordas, coordenador da assistência clínica de psiquiatria do HCFMUSP.

Como evitar essa quarta onda?

Em uma cartilha compartilhada logo no começo do isolamento com políticas para manter a saúde mental durante a crise da covid-19, a ONU (Organização das Nações Unidas) pediu mais atenção para crianças, mulheres, trabalhadores da linha de frente e a população suscetível ou portadora de transtornos psicológicos. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, afirmou que a saúde mental é uma responsabilidade coletiva e que “uma falha em levar o bem-estar emocional das pessoas a sério levará a custos sociais e econômicos em longo prazo para a sociedade”.

A psicóloga Dora Sampaio Goés, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, recomenda o aumento da frequência em consultas psicoterapêuticas, principalmente para os pacientes bipolares que conseguem perceber que estão entrando em crise. “Buscar outras atividades nesse momento também é importante. É uma boa ideia tentar ser mais solidário, entrar em causas de ajuda social, fazer esporte, cozinhar, participar de atividades lúdicas e desenvolver a espiritualidade.”

O acompanhamento psiquiátrico também é essencial para que o bipolar leve uma vida “normal”. Por isso, o médico Jair Mari alerta sobre os riscos de abandono do tratamento durante a pandemia. “Já observamos na emergência de psiquiatria do CAISM (Centro de Atenção Integrada à Saúde) que várias pessoas não conseguiram manter o tratamento e isso aumentou as crises. Bipolares têm mais dificuldade para criar uma rotina e a pandemia exige uma reorganização. Sabemos que eles tendem a ser mais inquietos, têm mais dificuldade com o tratamento, e isso pode levar até ao uso de drogas.”

O CAISM é a principal emergência psiquiátrica da cidade de São Paulo. São 12 leitos no pronto-socorro para atender pacientes em crises maníacas. Lá, 75% dos casos são resolvidos em quatro ou cinco dias. “Tivemos que arranjar doações para proteger os profissionais. Como você faz para tratar um paciente que está com covid-19 e está em surto ou mania? É complicado. A secretaria de saúde do Estado não mandou dinheiro extra para proteger essas pessoas.”

Foi também com o auxílio de doações que o centro conseguiu comprar tablets para que os pacientes internados pudessem se comunicar com os familiares, já que as visitas presenciais foram suspensas. “Atendemos em situação de diversidade e nossa batalha é para fazer um SUS digno”, completa o médico.

Nesse período, surgiram denúncias da suspensão de serviços psicoterapêuticos nos CAPS (Centros de Atenção Psicossociais) durante a pandemia. O CAPS oferece atendimento gratuito psicológico e psiquiátrico à população e tem um papel importante na luta pela saúde mental do Brasil.

O Ministério da Saúde disse que os atendimentos foram mantidos dentro dos protocolos de segurança. Segundo dados do governo, foram registrados 2.783.150 procedimentos no Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS) entre os meses de março e maio desse ano (dados preliminares). Já em 2019, foram registrados, no mesmo período, 4.839.833 procedimentos.

Gabriella foi uma das pessoas que reclamou das alterações no atendimento do CAPS durante a pandemia. A médica que a atendia foi transferida de unidade e a profissional substituta chegou a receitar um novo tratamento sem sequer conhecer a paciente. Com tantas mudanças, a paulistana começou a se automedicar (o que não é indicado) para contornar o descontrole emocional.

Doença mental não é meme

Depois do tuíte de Kanye West sobre a tentativa de sua mulher de interna-lo, Kim Kardashian foi atacada em seu perfil pessoal pelos fãs do rapper. Para se defender, ela compartilhou uma mensagem nas redes sociais. “Pessoas desavisadas precisam entender que bipolares têm que, eles mesmos, se engajar no processo de cura, não importa o quanto os amigos e a família tentem”.

O assédio e a repercussão que a mídia deu ao fato revelam a insensibilidade pública quanto a pessoas famosas com transtorno bipolar. O mesmo aconteceu com a cantora Britney Spears. Mesmo depois de ser internada algumas vezes em clínicas psiquiátricas, a cantora continuava sendo perseguida por “paparazzi” e foi fotografada durante um breakdown em 2007. A crise virou piada, deboche e meme.

Para os bipolares, a brincadeira não tem graça. Júlia conta que já foi vítima de cyberbullying e recebe muitas críticas de pessoas que não entendem sua doença. Para ela, porém, o papel de informar faz valer a exposição.

A bipolaridade é uma doença sem cura, mas que pode ser controlada com tratamento. Psiquiatras destacam que o assunto precisa ser debatido com maior frequência e a cobertura jornalística de breakdowns de celebridades deve ser feita de forma responsável. Eles também afirmam que é possível manter o acompanhamento médico online —ainda que parte da população não tenha acesso a celulares —, o contato com amigos via chats e aplicativos, além de criar uma nova rotina de práticas saudáveis durante a pandemia. Foi o que fez Júlia, ainda que pela tela do celular.

“Música me ajuda muito. Baixei aplicativo de meditação, virei ‘mãe de planta’ e comecei a ler filosofia. Você tem que focar nas coisas que você consegue mudar, e a principal coisa que você consegue mudar é você mesmo. Talvez, essa seja a única coisa que posso mudar.”

https://www.uol.com.br/…/transtorno-afetivo-bipo…/index.htm…