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Alexandre Azevedo, do IPq, fala sobre vício em comida, em entrevista a Revista Marie Claire.

Por

Marcella Centofanti

, Em Colaboração para Marie Claire — São Paulo

 

A comida é fundamental para a sobrevivência humana e também uma importante fonte de prazer e socialização. No entanto, uma parcela dos cientistas e dos profissionais de saúde acredita que o alimento também pode causar dependência, assim como o álcool e outras drogas.

O chamado vício em comida estaria relacionado a um tipo específico de alimento: os super palatáveis, ricos em açúcar, sal e gordura, como biscoitos, chocolates e salgadinhos. Ninguém é dependente de alface ou brócolis, por exemplo.

A dependência em comida não é um transtorno mental classificado no DSM-5, o manual referência da Associação Americana de Psiquiatria. Tampouco é uma enfermidade segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, desenvolvida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Para Lapa, a condição se enquadra nos distúrbios relacionados ao uso de substâncias não psicoativas.

De acordo com a médica, quando a pessoa busca um alimento não para suprir necessidades fisiológicas, mas apenas por prazer, ela procura por itens super palatáveis, típicos dos produtos ultraprocessados, que são prejudiciais à saúde. “Existe uma diferença entre ter prazer em comer e comer por prazer”, afirma.

O tratamento desses quadros, nessa abordagem, consiste em ajudar a pessoa a ter uma relação mais harmoniosa com a comida, por meio da reeducação alimentar, estratégias comportamentais e, eventualmente, uso de remédios que atuam no sistema de recompensa do cérebro.

Teoria não é unânime

Existe uma longa discussão na medicina sobre a existência ou não do vício em comida. Um argumento contrário a essa teoria é a falta de evidências de que alimentos alteram a química do cérebro de uma forma que não seja fisiológica.

“Apesar de haver inúmeras publicações científicas descrevendo comportamentos alimentares que representariam o ‘vício em comida’, não há até o momento qualquer evidência de que haja algum alimento ou componente alimentar, natural ou industrializado, que possa ter poder viciante como algumas substâncias lícitas ou ilícitas que promovem quimicamente modulação de áreas cerebrais responsáveis pela dependência química”, diz o psiquiatra Alexandre Pinto de Azevedo, coordenador do Grupo Especializado em Comer Compulsivo e Obesidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

A única exceção é a cafeína. Segundo Azevedo, a relação direta seria com a bebida café com alta concentração de cafeína, em especial torrados e moídos, em pessoas predispostas e que fazem uso em padrão abusivo. Outras bebidas que contêm a substância, como energéticos, chás e refrigerante, não demonstraram causar dependência.

Nem mesmo o açúcar causa vício? “Não é uma substância que cause mudança na fisiologia do cérebro. Você já deve ter escutado que açúcar vicia igual a cocaína. Não é verdade. O que eles têm de semelhante é o processo de recompensa de curto prazo”, diz Vanessa Tomasini, psicóloga clínica especialista em transtornos alimentares pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

A psicóloga dá como exemplo os carboidratos, como brigadeiro, pão, arroz e macarrão, que se transformam em moléculas de glicose quando são metabolizados pelo corpo. “Por que alguém tem, entre aspas, vício em chocolate, mas não em arroz? Porque existe a interpretação de que, se eu como chocolate, tenho uma rápida sensação de bem-estar”, diz.

Outro ponto que contraria a ideia de dependência em comida é a necessidade de abstinência. “O tratamento para um paciente com vício numa substância psicoativa, como a cocaína, é ficar completamente abstinente. Como a gente vai deixar uma pessoa abstinente de comida? Não existe isso, porque a questão não é a comida, mas a possibilidade de poder melhorar a relação transtornada com o alimento”, aponta Tomasini.

Vício comportamental

Em vez de “vício em comida”, uma corrente da medicina prefere usar a nomenclatura “dependência comportamental em comer”. Pode parecer a mesma coisa, mas não é. “O indivíduo usou tantas vezes a estratégia de comer para aliviar uma sensação de mal-estar que ele só tem esse repertório para lidar com os afetos”, diz a psicóloga. A dependência seria no ato de comer, não na comida em si.