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Carla Cavalheiro, psicóloga do grupo de Dependências Tecnológicas do IPq, fala sobre  nomofobia ( medo de ficar sem celular). Confira a entrevista na  Revista Ela/O Globo

Por Laís Rissato — São Paulo

 

Nomofobia é a sigla para 'no mobile phone phobia', ou, medo de ficar sem o celular

Nomofobia é a sigla para ‘no mobile phone phobia’, ou, medo de ficar sem o celular Shutterstock

Quatorze horas. Ingridy Ruana Marques, de 28 anos, quebrou o próprio recorde ao passar tanto tempo conectada ao celular. Não é exagero dizer que o aparelho se tornou praticamente uma extensão do seu corpo. “Minha média é de 10 a 12 horas por dia. Tenho uma necessidade de consumir conteúdo, de notícias a vídeos no TikTok. Sei que é uma relação doentia e não deveria ser assim, mas não consigo mudar”, lamenta ela.

A programadora buscou ajuda terapêutica e tenta reverter o quadro de um vício, já nomeado pela ciência. É a nomofobia <italic>— no mobile phone phobia, do inglês, medo de ficar sem celular —, termo criado em 2008 pela instituição YouGov, do Reino Unido, para designar a dependência dos smartphones. Naquela época, os pesquisadores afirmaram que 53% dos usuários ficavam ansiosos quando não podiam usar seus celulares; e mais da metade nunca os desligava. Dados mais recentes, de 2022, da empresa State of Mobile, apontam que o Brasil lidera os países onde as pessoas mais usam seus aparelhos: em média, 5,4 horas diárias. O número representa um aumento de 30% em relação a 2019. “Sem o celular, minha ansiedade aumenta, e no fim do dia, vejo que não estudei nem fiz nada de produtivo”, reconhece Ingridy.

A programadora Ingridy Ruana Marques já ficou 14 horas usando o celular — Foto: Arquivo pessoal

A programadora Ingridy Ruana Marques já ficou 14 horas usando o celular — Foto: Arquivo pessoal

Secretária do marido em um consultório odontológico, Jusimara Frantzen, de 35 anos, abandonou a leitura de um livro por semana por causa das redes sociais. “Percebi que havia um problema quando não conseguia mais ler. Mexo no celular até a bateria quase acabar, mas logo recarrego”, diz. Por causa da dependência, já viveu situações perigosas, como esquecer um ovo cozinhando até a água secar e ele explodir, além de queimar a comida várias vezes. “Celular é vida, mas gostaria de usar menos para voltar a ler meus livros, fazer uma caminhada no parque e ir a um restaurante sem pegar nele”, conta Jusimara.

Para Carla Cavalheiro, psicóloga do grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, as atividades no celular proporcionam o escapismo da realidade e amenizam sentimentos como depressão e ansiedade. “O uso gera prazer, liberando dopamina e atuando no sistema de gratificação cerebral. É o mesmo princípio da droga”, explica. Os sinais de que você pode estar dependente, segundo Carla, têm a ver com negligenciar a vida e a rotina, além de mentir sobre o tempo de uso do celular, sentir irritação ao não estar conectado e dificuldade de controlar os impulsos. “A gente vive em uma sociedade em que não se espera para nada. Não existem momentos de contemplação, é preciso sempre estar engajado em algo. Isso é muito perigoso”, adverte.

A secretária Jusimara Frantzen deixa de fazer outras atividades para ficar no celular — Foto: Arquivo pessoal

A secretária Jusimara Frantzen deixa de fazer outras atividades para ficar no celular — Foto: Arquivo pessoal

A funcionária pública Rita de Cássia Pessoa, de 45 anos, enfrenta uma batalha com o filho, o estudante Lucas, de 18, e sua dependência do celular. Certa vez, ao acompanhar a avó em uma consulta médica, a bateria do aparelho do jovem acabou. Sua reação foi de desespero. “Ele atormentou minha mãe, queria ir embora, reclamou que o médico não a atendia logo. É um medo de ficar sem falar com os amigos, de não estar conectado e atualizado”, conta. Mesmo levando Lucas a um psicólogo, Rita não viu melhora em seu comportamento, e ele quase repetiu o terceiro ano do ensino médio. “Tenho esperança de que, com a maturidade, Lucas perceba o quão destrutivo isso é”, desabafa.

Retirar o celular do dependente não é a melhor solução, explica a psicóloga Luana Couto, de São Paulo. Após tomar consciência do problema e das dores que ele desencadeia, é preciso fazer um trabalho longo e gradual de “cura”. “Dessa forma, a pessoa não abandona a terapia. A gente organiza cada atividade do dia, para que ela fique focada, e na hora de mexer no celular, ela vai fazer isso. Ao perceber que está evoluindo e usando menos o smartphone, vem a sensação de alívio e bem-estar”, explica.

Um dia de cada vez, só por hoje.