Fábio Salzano, vice-coordenador do Programa de Transtornos Alimentares/Ambulim do IPq, afirma que a exposição a bonecas com padrões corporais irreais na infância e adolescência pode levar a impactos negativos na forma como a pessoa vê a si mesma, causando até distorção de imagem. Leia a matéria completa no o Globo.
Barbie marca gerações com busca por um padrão de beleza inatingível
Médicos dizem que se inspirar na boneca ou se comparar com sua forma física podem ser gatilhos para transtornos
A comissária de voo Natália Turri Facella, 37, é apaixonada pela Barbie desde que se conhece por gente, o que a fez criar e manter uma coleção com cerca de 50 bonecas. Facella já comprou os ingressos para o filme sobre a estrela da Mattel que estreou nesta quinta-feira (20) nos cinemas brasileiros.
Ela está ansiosa pelo longa. Diz, porém, que o padrão Barbie nem sempre foi positivo para ela.
Morena de olhos e cabelos castanhos, não se identificava com a boneca. A irmã, por outro lado, loira de olhos verdes, era chamada de Barbie na infância. Facella, por tabela, ficou conhecida como “a irmã” da boneca”.
Adultos e crianças foram influenciados pela forma física da boneca, conforme apontam estudos. Tanto a Barbie, como seu parceiro Ken, tiveram suas imagens usadas como referência em procedimentos estéticos. Enquanto trabalhos científicos salientam que os brinquedos influenciaram a autoestima, médicos dizem que se inspirar na boneca ou se comparar com sua forma física pode ser gatilho para transtornos.
No caso do cabeleireiro e tiktoker Marcelo Lima, 37, o boneco parceiro da Barbie foi sempre uma referência. Batizado de “Ken Humano”, ele usou o brinquedo como inspiração em procedimentos estéticos. Antes de sua transformação, não se considerava uma pessoa bonita. Passou por bichectomia, rinomodelação e alectomia para afinar o nariz. Também fez clareamento da pele.
“Desde criança eu gostava do boneco e dos modelos de capa de revista. E muita coisa me incomoda ainda, mas parei de fazer [procedimentos] porque a grana está curta agora”, diz.
A popularização do feminismo e a luta pela diversidade racial e sexual lançou um desafio para o mundo dos brinquedos. A boneca branca, de cabelos dourados e olhos claros, além de magra, marcou gerações. Mas, nos últimos anos, variações ganharam o mercado, com Barbies negras, com deficiência e algumas até levemente acima do peso (embora a maioria ainda tenha o corpo esguio).
Em 2019, uma pesquisa americana de psicologia comportamental mostrou que a simples existência de Barbies com diversos formatos e tamanhos não era suficiente para que as meninas tivessem uma imagem positiva dessas bonecas. O artigo “You can buy a child a curvy Barbie doll, but you can’t make her like it” (Você pode comprar para uma criança a boneca Barbie com curvas, mas não pode fazê-la gostar dela, em português”) foi publicado na revista Body Imagem.
Ao todo, 84 meninas de 3 a 10 anos de idade atribuíram características positivas e negativas às Barbies. A boneca curvilínea foi a que as participantes menos gostaram e que foi mais vezes definida como “não é bonita” (53,6%) e “não tem amigos” (42,9%).
O médico Fábio Salzano, vice-coordenador do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), afirma que a exposição a bonecas com padrões corporais irreais na infância e adolescência pode levar a impactos negativos na forma como a pessoa vê a si mesma, causando até distorção de imagem.
A condição pode levar adultos e adolescentes a buscarem emagrecimento, mesmo com estado nutricional adequado. Isso se dá pelo aumento de atividade física e pela restrição alguns tipos de alimentos, além da diminuição da quantidade de comida ingerida nas refeições, o que pode desencadear transtornos alimentares.
“A imagem corporal engloba sensações, sentimentos, pensamentos e autoavaliações relacionados ao seu corpo, com maior definição na adolescência, porém numa transformação continua ao longo da vida”, diz ele.
Um estudo de 2016 feito por pesquisadores ingleses e australianos apontou que a exposição de crianças à Barbie gera efeitos na “internalização do ideal de magreza, estima corporal e insatisfação corporal entre meninas”. Eles avaliaram 160 meninas de 5 a 8 anos de idade de escolas particulares e públicas.
Wendell Uguetto, cirurgião plástico da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) e do Hospital Albert Einstein, afirma que os bonecos não possuem proporções humanas, tornando frustrante a experiência de quem se inspira ou se compara com os brinquedos.
“O paciente querer se tornar algo perto da Margot Robbie [protagonista do novo filme] não é tão ruim quanto querer se tornar a Barbie. Quando o paciente quer ser a boneca, ele tem que causar alterações e disfunções no corpo, são cirurgias muitas vezes que causam sequelas. O próprio nariz da Barbie, se ela fosse uma pessoa, seria um nariz que funcionalmente respira mal”, afirma.
O procedimento a ser seguido por médicos nesse caso, segundo Uguetto, é orientar sobre a impossibilidade da intervenção, o que resulta na recusa em fazer a cirurgia. Dependendo da situação, é indicado encaminhar o paciente ao acompanhamento psicológico para lidar primeiro com as questões que o levaram até ali.